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sábado, 17 de novembro de 2018

EDUCAÇÃO - O ARBITRARIO CULTURAL DOMINANTE... E o discurso de Igualdade da Escola – A Violência Simbólica


Em tempos de discussão de projetos e o crescimento da abordagem do tema “Escola sem Partido”, movimento iniciado por cerca de quatorze anos – 2004 – no Rio de Janeiro, inicialmente intitulado Programa Escola sem Partido, cuja principal referência bibliográfica remonta ao livro “Professor não é Educador” - Autor, filósofo Armindo Moreira - cuja tese central do livro é a dissociação entre o ato de EDUCAR e o de INSTRUIR, envolvendo ainda aspectos de doutrinação que, nestas minhas considerações, partindo da compreensão do que é educar, aqui lembrando a Gandhi – Mohandas Karamchand Gandhi, conhecido Mahatma Gandhi - que dizia:

“A verdadeira educação consiste em por a descoberto o melhor de uma pessoa”.

Ainda, em Michelangelo – di Lodovico Buonarroti – pintor, escultor, poeta, etc. quando indagado como tinha conseguido a proeza de execução de magnífico trabalho, tendo inicialmente visto um bloco de pedra e dito: “Ai dentro há um anjo, vou colocá-lo para fora”!  Então, complementando a resposta: “O anjo já estava aí, apenas tirei os excessos que estavam sobrando”. Desbastar a Pedra Bruta é a tônica! E “educar” é isto, paciente e peritamente rarear os maus hábitos, promovendo o relevo das virtudes, até que o “anjo” ecloda. Uma constante tarefa!

Quanto a “instruir”, aquele ato de transmitir conhecimentos, a iniciação, a categoria que mais dúvida sucinta para o desprevenido. No “ensino”, os conteúdos são “saberes teoréticos” e “temáticos”, ao passo que na “instrução” são reunidos “saberes-fazer” (o “savoir-faire” dos franceses ou o “know-how” dos ingleses) e destrezas corporais.

Pensemos então numa imagem para a ação de instruir: “Você tem dificuldades? Eu ajudo”! Pense num pintor a ensinar como se pintam telas a óleo. Quais os conteúdos desta iniciação - instrução? Muito claro que será um saber fazer, uma destreza que o instrutor tenta passar ao aprendiz. Desse modo a significativa diferença entre ambos, reside no “tipo de conteúdo transmitido” tendo o “saber teorético versus o saber fazer”. Compreende-se assim, a oposição entre a TEORIA e a PRÁTICA.

A CULTURA compreende os valores e significados que orientam e dão personalidade ao grupo social. Já CAPITAL CULTURAL é uma metáfora criada por Bourdieu para explicar como a cultura em uma sociedade dividida em classes se transforma numa espécie de moeda que as classes dominantes utilizam para acentuar as diferenças. A Cultura se transforma em instrumento de dominação. Em vista de tal a classe dominante impõe às classes dominadas sua própria cultura dando-lhe um valor incontestável, fazendo com que seja a “cultura boa”.

Bourdieu percebendo esta dinâmica e a batizou de “arbitrário cultural dominante”. Tal ARBITRÁRIO CULTURAL DOMINANTE nada mais é do que “uma cultura que se impõe sobre outra”. Uma das mais importantes contribuições desse pensador para a Educação foi transpor toda essa ideia para dentro da Escola.

A Escola, dissimuladamente, contribui para que essa “cultura dominante” continue sendo transmitida como tal, e dessa forma acaba favorecendo alguns alunos em detrimento de outros. Os desfavorecidos são justamente aqueles alunos que não tiveram contato, através da família, com o Capital Cultural, seja na forma de livro, coisas concretas, seja por não terem tido acesso a lugares e informações facilmente acessíveis para aqueles estudantes mais privilegiados.

Eles, os menos favorecidos, não conseguem dominar os mesmos códigos culturais que a escola valoriza. O aprendizado para eles é muito mais difícil. Bourdieu entende que, assim, a escola marginaliza os alunos das classes populares enquanto privilegia aqueles alunos mais dotados de Capital Cultural. Por isso, o discurso de igualdade que a escola prega não funciona na realidade!

Compreende-se, portanto, que os filhos de pais diplomados, porque tinham esta familiaridade com o universo de um saber que a escola cobrava, logo, tem mais chances. De outro modo,  não é nem pela incapacidade que os menos favorecidos aparentemente reúne, não é que não tem cultura, mas eles não tem a “cultura que a escola demanda”.

A Escola não cobra dos alunos apenas o que foi ensinado. Ela cobra outras habilidades, que são fáceis para um e estranhas para outros. Desse modo, ela acaba enfatizando as diferenças. Os alunos que cresceram em culturas distintas, ou que não possuem um bom Capital da Cultura Dominante se enganam e “pensam que a dificuldade é falta de inteligência”!

Um exemplo dessa “dominação cultural nas escolas” é a escolha das matérias mais importantes e, não sendo difícil perceber que nos currículos, disciplinas tais como Física, Matemática ou História são mais valorizadas do que Desenho ou Educação Física, etc.. Assim a dominação de uma classe sobre outras se mantem.
Pierre Félix Bourdieu, lá atrás, já acreditava haver uma saída para toda essa “violência simbólica” exercida “inconscientemente” pela Escola. Bastava “tornar explicito todo esse comportamento/condicionamento velado da instituição”.  E não sem razão, vez que, esse sociólogo francês (1930 – 2002) dedicou parte significativa de seus mais de quarenta anos de vida acadêmica para os estudos no campo da educação, tendo exercido influência em gerações de intelectuais de diversas áreas, mas principalmente aos que se dedicaram a estudos sobre educação.
Inicialmente, tais estudos estiveram principalmente, concentrados em:
       ·  Demonstrar os mecanismos escolares de reprodução cultural e social e,
       ·  As “estratégias do sistema escolar” para diferentes agentes e grupos sociais.
É de se considerar, merecendo destaque que, o sociólogo “sempre manteve uma concepção pessimista em relação à escola e ao sistema educacional”. Entendia como uma “grande ilusão” afirmar que o sistema escolar é “um facilitador da mobilidade social”, quando na verdade, na escola se demonstra como o ambiente onde todas as diferenças de classes não são atenuadas e assim, coopera com a conservação social.
Nas décadas de 60 e 70 do século passado, Bourdieu se envolveu em uma série de pesquisas de caráter qualitativo e quantitativo sobre a vida cultural, sobre as práticas de lazer e de consumo de cultura entre os europeus, sobretudo, entre os franceses. Dessas experiências de investigação, publica em 1976, uma grande pesquisa intitulada Anatomia do gosto. Mais tarde, essa mesma pesquisa passa a ser objeto do livro intitulado: A distinção – crítica social do julgamento. Em tais trabalhos, ele e uma equipe de pesquisadores tentam explicar e discutir a variação do gosto entre os segmentos sociais, noções que, posteriormente, fundamentam “afirmações sobre a legitimidade das desigualdades sociais e meritocracia”.
Às minhas conclusões, a discussão elencada no parágrafo inicial desta abordagem reduz-se, à média compreensão, conveniente à ordem ideológica, ausentando-se desta a necessária atenção para a gravidade do quadro decadente da Educação no cenário municipal e estadual. Muitas são as interrogações e incertezas quanto ao futuro... Contudo, espero que, partindo desta modesta contribuição, haja não só mais curiosidades em aprofundar a temática, bem como, maior atenção para a mesma.
Roberto Costa Ferreira, 17NOV2018.



domingo, 4 de novembro de 2018

POETA & POESIA – REDESCOBRIR-SE NUM MUNDO SEM...


O autor: Roberto Costa Ferreira

Alguém, um amigo, em meio a Primavera de Outubro rosa, irascível e amargurado, me disse não ter mais graça viver estes tempos, este mundo... O mundo sem poesia! Ou, fazer arte num mundo sem ideal. O mundo em que o ideal já não vigora mais como governando a expressão.
Ouvi e tentei iniciar a justificativa diante de uma situação que se revelou improdutiva. Então restou-me pacientar. Conclui que exporia meu pensar sobre o assunto, que muito me incomodou, através deste recurso... Quem sabe em algum momento ele conhecesse do conteúdo? É importante ressaltar que são duas as perguntas objeto do desenvolvimento:
  • Viver num mundo sem poesia e,
  • O que deve ser a poesia num mundo sem ideal?
É preciso ressaltar que nestas duas perguntas reside uma diferença entre elas, porque, e isso é importante, quando nós pensamos nas respostas possíveis a essas perguntas, que é apenas, digamos assim, uma tentativa imediata de pensar numa resposta possível... Não é ainda a resposta, mas, como toda pergunta implica que há a possibilidade de uma resposta, a primeira possibilidade de responder a essas perguntas terá que ser feita, no meu entender, distinguindo estas duas indagações. Por exemplo:
  • Como se pode viver num mundo sem poesia?
Alguém poderia responder, dizendo simplesmente: Não se pode viver num mundo sem poesia! Logo, essa seria uma resposta que iria naquela direção que aponto, não só depois de Hegel, como, apesar de Hegel... Quer dizer, não há ideal.

"... só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que é o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim."

De certa forma, como não se pode viver num mundo sem poesia, ou "não existe um mundo sem poesia", então, é preciso que a própria noção de ideal seja reformulada para que possa ganhar sentido essa "outra presença da arte", essa outra "presença da poesia", num mundo onde já não comporta o ideal.

Quer dizer, se o Hegel passou por esta "vinculação de arte e ideal" e isto foi superado, logo, melhor compreendendo-o, "a principal recorrência dessa citação está diretamente relacionada com a ideia de obra de arte ou ainda com a ideia da arte como processo resultante de um “fazer espiritual”, ou melhor, de um trabalho do próprio espírito. Em outras palavras, a arte pode ser reconhecida como um dos temas centrais na Fenomenologia do Espírito, desde que não busquemos nela simples referências a obras históricas, ou mesmo uma espécie de fenomenologia da arte, mas sim que reconheçamos a arte como o último e mais elevado estágio do processo de formação e auto reconhecimento implícitos no conceito hegeliano de trabalho".

Então, o mundo sem ideal, se, nele ainda permanece a poesia, é preciso restabelecer, de algum modo, à relação entre “as Belezas: a arte, o ideal, a poesia”. Então, aqui, à segunda pergunta:
  • O que deve ser a poesia num mundo sem ideal?
Para responder a ela, num primeiro momento, é preciso supor, então, que "vivemos num mundo sem ideal" e que, a "poesia, de alguma maneira, existe neste mundo"! Portanto, são duas perguntas diferentes, mas, elas estão vinculadas. Agora, do ponto de vista abstrato, qualquer um de nós pode propor esta questão, qualquer um de nós pode responder a estas duas perguntas e refletir sobre o significado dessas respostas que, rápida e sinteticamente, esbocei aqui. Ainda, é preciso também entender que, a pergunta, a resposta e a reflexão sobre ambas, só pode ser, verdadeiramente, colocada se partirmos do poeta. Ou seja, o poeta que pode constatar, em primeiro lugar, que nós vivemos num mundo sem ideal. Como ele faz isso? Ele faz "subjetivamente". E aí teremos que entender depois, como que:

Esta tal apreensão subjetiva do mundo faz com que o poeta "apreendendo subjetivamente sobre o mundo" sem ideal, aprenda de alguma forma, algo semelhante ao vazio dele mesmo”!

Assim, isto tem tudo a ver com a identidade da poesia, que é, nesse sentido, buscável através de uma intuição subjetiva que é "a intuição do poeta"! Por tal, torna-se importante ressaltar que, embora do ponto de vista abstrato alguém possa fazer esta pergunta, ou assim se expressar, e ela seria uma "colocação apenas teórica", quando o poeta faz, ele e somente ele faz com propriedade, de uma outra forma, porque a partir de si mesmo e através desta apreensão subjetiva de "um vazio num mundo sem ideal" e , de um vazio que diz respeito à própria subjetividade poética, quando ela já não pode mais se expandir num mundo com ideal. Ela tem que se defrontar com um mundo sem ideal!

Então, claro, porque é o poeta que vive nesse mundo sem ideal... É o poeta que vive num mundo em que a poesia poderia não ser possível... E ao colocar a questão desse modo ele se percebe existindo como poeta, mas no plano da ausência da poesia, no plano da ausência de ideal!

Logo, a posição do poeta, e é isto que deve ser profundamente repensado, e Baudelaire é privilegiado nesse sentido, o que vai ser totalmente repensado é isso, ou seja, “o poeta percebe-se existindo como poeta, existindo num mundo em que a ausência do ideal deveria implicar a ausência da poesia”! Assim, essa continuidade que sempre existiu entre o poeta e a poesia, ela tende a ser quebrada. E é bem por tal que "nesse Novo Mundo" o poeta "necessita reinventar a poesia", tanto do ponto de vista do conteúdo dos temas quanto da forma, porque se trata, então de "cantar poeticamente", mas dentro de condições completamente diferentes e, portanto, é algo que diz respeito ao poeta e, portanto, essa pergunta e essa constatação é feita, em primeiro lugar, por ele, o poeta.

Isso é muito importante para que se possa colocar também a questão da identidade do poeta, momento que, ele percebe-se como poeta, mas, como a linha entre o poeta e a poesia está partida, essa linha de continuidade, ele não se identifica mais como "poeta do passado". Então, essa "reinvenção da poesia" e também, "a reinvenção da identidade do poeta e de sua posição nesse mundo distinto" que ele tem, também, que redescobrir!

Aliás, se este meu amigo conhecer deste raciocínio, em algum momento, deverá compreender que, tal qual “a necessária redescoberta do poeta do passado", da nova condição poeta de ser, “urge uma reação rápida: se reinventar”!

Roberto Costa Ferreira, 01NOV2018.

O Poeta Todos os Dias: Para Isabela - Autor: Roberto Costa Ferreira
O Touro - Pintura de Isabela Zanzini em produção escolar - 2018.