Manzini (Vincenzo Manzini em “Trattato di Diritto
Penale, 1993, Torino, tomo I, página 29) adverte que o Direito Penal é,
em verdade:
“uma determinada parte da moral assegurada
por uma sanção específica que chamamos pena”.
Esse o ponto de vista que prevalece
entre os penalistas que enfrentam mais detidamente o problema e se mostram
capazes de remontar aos primeiros princípios. É claro que aqueles que não
conseguem passar os limites do tecnicismo jurídico e estagnam no plano da “jurisprudência inferior” não atingem uma
visão total do problema.
Os que tentam reduzir o
direito penal aos quadros da criminologia, incapazes da delimitação das duas
áreas científicas, igualmente não se apercebem das conexões entre o direito
penal e a moral. E, finalmente, outros, presos a uma visão estritamente
sociológica do problema penal, vêm nesta disciplina jurídica simples
decorrência da realidade histórico-política.
Realmente, como observa o
penalista Rosal (Juan do
Rosal, Política Criminal, Barcelona, 1944, pag. 48) “o
direito penal não deixa de ser um conjunto de preceitos em constante renovação”.
Sujeito às vicissitudes de cada época, ele:
- Reflete a índole dos regimes políticos,
- Recolhe informações de outras ciências,
- Promove sua própria revisão, evolui, transforma-se.
Aos que a examinam, é este um
dos primeiros aspectos que a história das instituições penais oferece. Há,
porém, nos estatutos penais, sem embargos das transformações que sofrem,
princípios isolados da pura historicidade. E o direito penal, ao mesmo tempo
em que espelha a fisionomia peculiar da época em que vige, não se exaure num historicismo
que desconhece o destino ético da pessoa humana.
A mobilidade da história não
suprime as leis naturais do homem. O direito positivo não refoge à realidade
histórica, quer política, porque é através dela que se opera a explicação das
normas contidas na lei natural. A fonte imediata não estanca a fonte mais
distante. E, ademais, como nos avisa Bettiol (Giuseppe Bettiol, “Diritto Penale”, Palermo, 1945, pag. 65):
“a
natureza dos institutos fundamentais do direito penal, por exemplo, a culpa e a
pena, somente no âmbito de uma visão ética da vida adquirem sua significação
essencial”.
Inegável a vinculação do
direito penal à moral! E os que procuram separá-los apegados ao non omne quod liced honestum est (lê-se:
“Nem tudo que é lícito, é honesto”), desviam-se
da boa razão. A máxima de Paulo, que autoriza a distinção entre moral e
direito, não tolera a separação pretendida!
“Dado que a atividade humana é uma só,
segue-se que as regras que a determinam, devem ser coerentes entre si, não
contraditórias. Entre a moral e o direito, se há distinção, não há separação ou
contraste. Sem dúvida o direito permite muitos atos que a moral proíbe. Mas,
isso não implica contradição. Esta existiria se o direito impusesse o que a
moral proíbe. Tal contradição no mesmo sistema é, todavia, impossível, nem por
necessidade lógica tal acontece ou poderia acontecer”.
Del Vecchio, em “Lições de Filosofia do Direito”,
Coimbra, 1951, pag.
257.
Ainda nessa linha, um
dos maiores problemas no Direito é entender o significado das palavras,
assim como é necessário “conhecer do contexto” ou frase
onde se encontra tal palavra. Só então se explica o sentido exato e os
demais significados do vocábulo específico, isto porque sem entender o
significado das palavras o estudo do Direito Penal fica comprometido.
Então, “conhecer do contexto” demanda considerar a importância de tal.
No livro “Situations Matter” (“Situações
fazem diferença”, numa tradução livre porque o livro ainda não foi
publicado em português), Sam Sommers
(Samuel R.”Sam” Sommers é um
psicólogo social americano e professor associado de psicologia na Universidade
Tufts), é conhecido por sua pesquisa sobre estereótipos raciais implícitos e
racismo cego, apresentando a ideia de que:
”para entender verdadeiramente a natureza
humana precisamos apreciar a força do contexto e tudo o que ele pode nos
revelar sobre nós mesmos”.
Vejamos um exemplo, dadas as
circunstâncias em evidência momentânea, a palavra constranger no crime
de estupro:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso.
Essa palavra tem vários
significados, mas somente um significado vale para o caso da configuração dos
crimes que têm esse verbo. Assim, constranger, para o Código Penal, é
sinônimo de coagir. Coagir tem como sinônimo obrigar ou forçar. Beleza?! Ocorrem
os crimes que têm como verbo constranger quando o réu comete atos cujos verbos
são obrigar ou forçar outrem a fazer algo.
Assim, não vale para o
Direito Penal a palavra constranger quando esta palavra
tiver como significado "ser
colocado numa situação vergonhosa" ou "passar por um vexame".
Ou ainda... Vivenciar circunstância de completo embaraço; vexame que envolva
demonstração de timidez; encabulamento!
Isto é: fazer alguém passar vergonha ou fazer
alguém passar um vexame não é crime.
Por que isso é importante?
Porque não será crime o fato de alguma
pessoa dizer que "se sentiu constrangida", isto
é: se sentiu envergonhada com o que aconteceu. Por outro lado, será sempre crime quando alguém for
constrangida - obrigada - a fazer algo que não quer: no caso sexo ou ato
libidinoso.
Exemplo
prático: se um cara passa o pênis na perna de uma mulher sem
ela ver, ela não foi constrangida. Não é
estupro. Se um homem obriga a mulher a sentir o pênis em sua perna e vê,
mas não pode dizer não, pois está sob
ameaça, há estupro.
No primeiro caso temos um exemplo de constrangimento sinônimo de
situação vergonhosa; no segundo caso,
constrangimento sinônimo de forçar alguém a algo.
No caso d'aquele que ejaculou
no pescoço da moça, correta a decisão do magistrado em imputar ao réu não um
crime, mas a contravenção do artigo
61 da Lei de Contravenções. Certo? À luz da capacidade de avaliar as
coisas, o fato, com bom senso e clareza; juízo; discernimento “um
claro atentado à moral e aos bons costumes”... É preciso mudar a Lei.
Reside tipo errado com enquadramento na
contravenção equivocada!
Desse modo, não tem que dar
lugar à revolta e, assim, praticar injustiça. E com tudo isto não estou
dizendo que a atitude do então contraventor não é absurda. É. As mulheres têm que abrir a boca, fazer barulho, se juntar e lutar
para que cada dia menos dessas coisas absurdas aconteçam: cada dia menos
até que um dia não tenhamos nem menos e nem mais. Mas a luta tem que ter
critérios.
Estendo-me a outra consideração,
exemplo do que não pode acontecer: Numa entrevista, a Silvia Pimentel, integrante do Comitê CEDAW/ONU (Comitê sobre a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU), disse, em determinado
tempo:
"Eu sou pelo Direito Penal mínimo (contra
punições excessivas), mas não quando estamos falando de crimes contra a
mulher. Sou contra colocar na cadeia gente que furtou comida. Mas não dá para
abrandar o sistema penal nos casos em que a vítima é a mulher. E, nesse caso,
houve um abrandamento lamentável."
Direito
Penal mínimo de conveniência não é direito penal mínimo. Ou é ou
não é! Mínimo pra uns casos e máximos para outros é direito penal
reacionário.
Albert Einstein, já afirmara:
“Não creio, no sentido filosófico do termo,
na liberdade do homem. Todos agem não apenas sob um constrangimento exterior,
mas, também de acordo com uma necessidade interior".
Assim, apesar de determinadas
condutas não terem mais a necessidade de serem tipificadas como contravenção,
fica a lição da importância da existência das contravenções penais para o
Direito Penal, pois, em conjunto com o rol de crimes dispostos no Código Penal,
vêm ampliar ainda mais o leque de proteção aos valores mais importantes da
sociedade, defendidos pelo Direito Penal.
Este, o Direito Penal tem por
objetivo principal a repressão de determinadas condutas, denominadas infrações
penais, consideradas ofensivas aos bens jurídicos “que o legislador considerou mais relevantes para a sociedade”.
Nesse sentido, em meio às
legislações penais dos vários ordenamentos jurídicos dispostos ao redor do
mundo ocidental, há na doutrina duas teorias sobre as infrações penais:
- a tripartida, que divide as infrações penais em crime, delito e contravenção penal; e,
- a bipartida, que considera sinônimos o crime e o delito, estabelecendo crime (ou delito) e,
- contravenção penal como as duas espécies de infração penal.
Segundo Prado, o marco inicial
da teoria tripartida é o código penal francês de 1791, que classificava
as infrações penais da seguinte maneira:
- os crimes, as infrações que violavam direitos naturais, como por exemplo a vida;
- os delitos, a exemplo da propriedade, seriam as infrações que lesavam os direitos originários do contrato social e,
- as contravenções, eram as infrações que infringiam disposições e regulamentos de polícia.
Entretanto, o sistema adotado
pelo nosso ordenamento jurídico é o bipartido,
dualista, assim como o sistema
alemão, como o italiano, o português e outros. Nesse sistema, “o crime e o delito são considerados
sinônimos”, que juntamente com a outra espécie, a contravenção penal,
formam as infrações penais (grifo) que, conforme assevera Greco:
“é como devemos chamar as espécies crime e contravenção penal, quando quisermos nos referir genericamente às mesmas”.
A primeira dica importante para
a prova então está ligada as nomenclaturas usadas pelos doutrinadores como
abaixo:
Crime = delito
Contravenção = crime anão,
crime vagabundo e delito liliputiano
Embora espécies do mesmo
gênero, infração penal, os crimes e as contravenções têm diversas diferenças que podem ser objeto de
questionamento. Resta aprofundar no
conhecimento.
Quanto a pena privativa de
liberdade, para os crimes se admite reclusão e detenção, já para as
contravenções admite-se apenas a prisão simples (artigo 5º e 6º da Lei de
contravenções).
Por imposição do princípio do nullum crimen sine lege, o legislador,
quando quer impor ou proibir condutas sob a ameaça de sanção, deve,
obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve
a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinados bens cuja
tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.
Tipo, como
a própria denominação nos está a induzir, é o modelo, o padrão de conduta que o
Estado, por meio de seu único instrumento, a lei, visa impedir que seja
praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos nós. A palavra tipo, na lição de Cirilo de Vargas:
"constitui uma tradução livre do
vocábulo Tatbestand, empregada no texto do art. 59 do Código Penal alemão de
1871, e provinha da expressão latina corpus delicti. O tipo, portanto, é a
descrição precisa do comportamento humano, feita pela lei penal."
Na definição de Zaffaroni,
"o tipo penal” é:
“um instrumento legal, logicamente
necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a
individualização de condutas humanas
penalmente relevantes".
O Fato
Típico é composto pela:
·
conduta do agente, dolosa ou culposa, comissiva
ou omissiva;
·
pelo resultado; bem como,
·
pelo nexo de causalidade entre aquela e este.
Mas isso não basta. É
preciso que a conduta também se amolde, subsuma-se a um modelo abstrato
previsto na lei, que denominamos tipo.
Tipicidade
quer
dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo
abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador, ou,
conforme preceitua Munhoz Conde:
"é a adequação de um fato cometido à
descrição que dele se faz na lei penal. Por imperativo do princípio da
legalidade, em sua vertente do nullum crimen sine lege, só os fatos tipificados
na lei penal como delitos podem ser considerados como tal".
A adequação da conduta do
agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo) faz surgir a tipicidade formal ou legal. Essa adequação
deve ser perfeita, pois, caso contrário, o fato será considerado formalmente
atípico. É o que temos!
Portanto, quando afirmamos que
só haverá tipicidade se existir uma adequação perfeita da conduta do agente ao
modelo em abstrato previsto na lei penal (tipo), estamos querendo dizer que por mais que seja parecida a
conduta levada a efeito pelo agente com aquela descrita no tipo penal, se
não houver um encaixe perfeito, não se pode falar em tipicidade.
Assim, a exemplo do art. 155 do Código Penal, aquele que
simplesmente subtrai coisa alheia móvel não com o fim de tê-la para si ou para
outrem, mas sim com a intenção de usá-la, não comete o crime de furto, uma
vez que no tipo penal em tela não existe a previsão dessa conduta, não sendo punível,
portanto, o "furto de uso".
Em tempo, algo deve ser feito.
Conjuntamente ao fato de que o
magistrado deve ter melhor vivência com o direito, como bem dito pelo poeta do
direito:
“Juiz
não pode se trancar numa torre de marfim”.
Conhecido também por sua veia
poética e filosófica, Ayres Britto,
após quase uma década no Supremo
Tribunal Federal, o ministro aposentado assumiu recentemente a Comissão de Liberdade de Expressão,
criada pela Ordem dos Advogados do
Brasil. Humanista, defende que “a melhoria do Judiciário passa pela melhor
formação da magistratura”.
Isso significa, para ele, que
requisitos como reputação ilibada,
conhecimento jurídico e até mesmo
sensibilidade sejam considerados requisitos de desempenho. Logo:
“O
juiz tem que abrir, mesmo, as janelas do Direito para o mundo circundante. Ele
não pode se trancar numa torre de marfim.”
Roberto Costa Ferreira, 06Set2017.
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