No dia de hoje ela faleceu –
Clarice, 9 de Dezembro – então nascida em 10 de Dezembro. Em determinado tempo,
ela transitou por minha vida... Nunca mais a esqueci! Era o ano de 1969, recém-saído
do cumprimento do serviço militar, o Exército, eu, um querido discípulo de
Paulo Emílio, professor na ECA, Escola de Comunicações e Artes da USP - Universidade
de São Paulo, já quase 1970, trabalhando com livros, tinha amigos no curso de
Letras na USP, onde um deles frequentava: o Wisnik.
Resolvemos fazer, um grupo de
amigos, uma Revista Literária e produzirmos uma grande e significativa entrevista...
Conseguimos, marcamos a entrevista e fomos ao Rio de Janeiro de ônibus, para o Bairro
do Leme. Intrépidos estudantes tomados por um ardor juvenil, fomos ao apartamento
da personagem e, nesse grupo tinham já poetas, escritores e, lá chegando, não
sabiam como começar a entrevista, porque ela não se postava como "Grande
Escritora". Linda no seu jeito acendia o cigarro e, por entre a fumaça
lançava "aquele seu olhar arrasador”, cruzando as pernas propositalmente!
Acho que eu era o alvo...
Nada indicava um caminho para a
"Grande Entrevista" e a abordagem era incerta. Aquilo tudo me
emocionava, descontrolava, nos desarmava... E, depois de algum tempo de
conversas estranhas, aleatórias, olhares
profundos e abordagens sem destino, descemos para jantar. Uma colega, como se
não tivesse lido "Laços de Família", pediu um frango.
Ela, menina meiga e paulistana, nervosa diante daquele "olhar de lince" da Clarice, não conseguia destrinchar o frango, que escapava no prato! Então, a Clarice vendo a cena, disse:
Ela, menina meiga e paulistana, nervosa diante daquele "olhar de lince" da Clarice, não conseguia destrinchar o frango, que escapava no prato! Então, a Clarice vendo a cena, disse:
"Desista! A luta é desigual, não
insista!"
E este é o resumo... Uma
parábola, uma versão irônica, fulminante, algo lacônico!
Escritores, alguns, são assim...
Defrontam o mínimo com o máximo! E vou a dois exemplos:
- A versão Roseana- Guimarães Rosa, no Sertão, quando Riobaldo diz: "Se um dia Deus vier à Terra que venha armado”!
·
Versão Clariciana: "Se um dia Deus vier à Terra haverá silêncio grande... O silêncio é tal
que nem o pensamento pensa”!
Residem nestas uma diferença: DEUS! Que no Grande Sertão se confronta
com uma grande violência... Onde o mínimo, a bala - um pedacinho de metal - se
confronta com um DEUS UNIVERSAL! Obra de escritores interpelantes...
Do outro lado da história, outra
personagem vivia um sucesso internacional, com “Antes do Baile Verde” (1970),
conhecida na intimidade de Lyginha, que num dado dia recebeu o alerta
pessimista da mãe:
“Você já entrou para uma escola de homens,
vai publicar um livro, agora você não casa mais”!
Previsão ignorada por Lygia e
desmentida pela vida. A escritora casou-se duas vezes, teve um filho e é mãe
também de 17 livros de contos e romances traduzidos para o espanhol,
francês, inglês, russo e outras tantas línguas.
Incorporando notas antigas,
começa a trabalhar em um novo romance inicialmente intitulado “Atrás do
pensamento”: monólogo com a vida. O livro, que em fase posterior seria chamado
“Objeto gritante”, por fim se definiria como “Água Viva” e sairia sob o
amplo gênero “ficção”, diante do entendimento da própria autora de que
ultrapassara as classificações convencionais da narrativa literária.
As duas pouco se conheciam... E
eu, muito menos. Mero curioso e fuçador. Assim, naquela viagem para a Colômbia,
indo à Cali, oportunidade que me meti num congresso: Congresso de La Nueva Narrativa, lá conheci outras pessoas como
Loyola, Ana Miranda, e lá estava eu frente a frente, novamente, com Clarice, estando
também o Vargas (Mário Vargas Llosa, que na oportunidade não reunia a glória
que detém hoje, escritor peruano, agora consagrado
internacionalmente, também jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário).
Foi professor em diversas universidades americanas e europeias, ao longo dos
anos, tendo hoje uma vasta produção literária, principalmente romance, entre
eles: “Conversa na catedral” e “Tia Julia”.
Então, no estreitamento da conversa
em meio ao corredor, a Clarice, lembrando-se de minha passagem ousada pelo Rio
de Janeiro, disse à Lygia, tendo ela aquela fala ótima, ucraniana, era uma fala
assim: “Lygia, está muito chato aqui
dentro, vamos sair.” Assim, nós fomos para o bar e ficamos conversando
horas, enquanto lá dentro no Congresso, evidenciava-se “o porquê da palavra,
porque não sei o quê e tal”... Então ela, a Clarice disse: “Essa gente é muito cacete. Eles interpretam
a gente de uma maneira que eu não entendo”. Então, ficamos conversando
e falávamos muito sobre os problemas, as dificuldades, a discriminação, falando
sobre pessoas e elas sobre o homem, sobre os homens, as coisas...
Ela dizia, lembro: “Lygia...”,
esta frase eu gostava tanto que às vezes lembro-me e reflito sobre sua real
intenção: “Desanuvia a testa e põe um
vestido branco!”
Mas, enfim, e quando nós saímos desse bar, estavam saindo, coincidentemente, todos da sala, suados, nervosos e meio desencontrados. Já nós, e elas felicíssimas, então Clarice disse:
Mas, enfim, e quando nós saímos desse bar, estavam saindo, coincidentemente, todos da sala, suados, nervosos e meio desencontrados. Já nós, e elas felicíssimas, então Clarice disse:
“Olha a cara deles e olha a cara nossa. Nós
estamos bem, fomos tomar os nossos Martini.”
Lygia, na oportunidade disse e, tem
hoje uma referência que me impacta, acerca dos amigos e amizades... Assim:
”Amigos são importantes... E perdê-los é
como parte da memória que se vai”.
São memórias... O Consciente, o
Inconsciente e o Pensamento Elástico, através do qual não seguimos as regras,
mas as criamos, preservamos e renovamos amigos, produzimos um texto... Criamos “novas
ideias"!
Recentemente, reiterou Lygia, a querida Lyginha, que:
“O escritor no Brasil fica bom, fica maravilhoso, depois da morte. É
necrofilia, é necrofilia!” A Clarice, assim como eu, quando estávamos lá, no Congresso,
“ninguém ligava para a Clarice, ninguém ligava para nada, estávamos em Cali
(Colômbia), e voltamos. Ela se queixava nas cartas, do silêncio, de tudo isso”! Então
ela morreu:
“Ah!
A necrofilia é a vontade de exaltar o morto, porque o morto não está mais
competindo, acho que só pode ser isso”.
Acho que é de Thomás Antonio
Gonzaga (1744-1810), poeta e ativista político que participou da Inconfidência
Mineira com Tiradentes:
“As glórias que vêm tarde já vêm frias”.
As louvações, meu queridos, disse
ainda Lygia,
“... têm que vir enquanto a gente tem
ouvidos para ouvir e olhos para ver”. Lembrou ainda que, “o polvo no mar se
sente perseguido, certo tipo de polvo, ele destila, ele solta uma tinta negra.
Eu acho bonito isso, ele solta tinta negra para não ser visto, para fugir, e no
meio daquela água escura ele pode desaparecer dos seus caçadores. Nós não temos
essa tinta para destilar, nós estamos transparentes. Nós temos que ser
transparentes para podermos nos ver. Eu tenho que ver você, porque eu sou
escritora. Eu tenho que saber de você. Eu não tenho tinta nenhuma para fugir de
você ou para justamente fazer com que você também suma”.
Desse modo, de ti não esqueci,
muito querida e inesquecível Clarice Lispector!
Roberto Costa Ferreira, 09 de Dezembro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A desinformação é o ato de silenciar ou manipular a verdade, habitualmente nos meios de comunicação de massa. O meu dever de publicar o que penso e escrevo e incontornável, absolutamente imprescindível!
Então, você pode, durante tomar um café, aprofundar-se numa agradável e suficiente leitura e até, ao mesmo tempo, ouvir uma boa música. Encontrar tudo isso através deste meu blog - #GRAUᴼ - é algo muito suficiente... E necessário!
As relações entre Educação, cultura e conhecimento são sempre polissêmicas e provocativas. Neste acesso, trago para sua leitura diversas experiências, perspectivas, reflexões... Encontros que se fazem em diferentes ãmbitos: literatura, música, dança, teatro, artes visuais, educação física, mídia, etc.
E considere: é entre a manifestação da literatura, as artes visuais, a música, a dança e o teatro que a educação e o conhecimento acontecem fora do curricular, do convencional!