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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

SINDEMIA I – Ciência e Sociedade, próximas para se apoiarem...

 


Um grupo de cientistas garante que a Covid-19 não é uma pandemia e se propõe a enfrentá-la como uma sindemia - a interação mutuamente agravante entre problemas de saúde em populações em seu contexto social e econômico. Aderem e propõem uma mudança de estratégia para o enfrentamento do vírus que já deixou mais de 1 milhão de mortes no mundo. Especialistas argumentam que lidar com Covid-19 do ponto de vista da sindemia permitirá não apenas combater a doença infecciosa, mas também ajudar a corrigir o contexto social das pessoas mais vulneráveis.

Enquanto muitos países da Europa estão voltando a restringir atividades sociais e determinando isolamentos após registrarem aumentos recordes de casos, a Nova Zelândia, por exemplo, passou ao seu nível de alerta mais baixo. No entanto, essa estratégia para lidar com o coronavírus é, na opinião de diversos cientistas, limitada demais para deter o avanço da doença. Com o passar dos meses, as medidas para evitar a propagação da Covid-19 foram sendo endurecidas ou flexibilizadas em diferentes partes do mundo segundo o aumento ou a diminuição dos casos locais.

“Todas as nossas intervenções se concentraram em cortar as rotas de transmissão viral para controlar a disseminação do patógeno", escreveu recentemente em um editorial Richard Horton, editor-chefe da prestigiosa revista científica The Lancet, medida amplamente adotada significativamente por outras autoridades ligadas à saúde. Considere-se ainda que tal pandemia – de coronavírus - que, aliás, foi declarada como tal pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há, tão somente e apenas seis meses — está afetando de diversas formas nossa percepção do tempo. E se tem um campo em que os limites do tempo parecem ter sido alterados de forma inédita foi o da Ciência e que, "Embora possa parecer uma eternidade, é um período (o da pandemia) muito curto para se obter avanços em pesquisas", reconhecem diversos professores e autoridades em pesquisas e saúde.

"A verdade é que a área de pesquisas está recebendo um grande estímulo de outros campos", levando a "muitas mudanças pioneiras e revolucionárias", tais como:

· Colaboração entre equipes - "O coronavírus promoveu a colaboração entre muitas equipes”, sendo certo que os pesquisadores tendem a ser muito colaborativos, mas a pandemia foi um estímulo adicional. E os resultados têm sido compartilhados rapidamente para todos os grupos ligados ao tema. Ainda que a pressão exercida pela gravíssima situação sanitária e socioeconômica mundial fez aumentar a colaboração de muitas universidades, grupos e centros de pesquisa. É um fato!

· Sequenciamento do vírus - uma destas áreas com forte colaboração internacional é também uma das que registra "grandes avanços", mesmo considerando que o número cresce a cada dia, sendo certo que a comunidade científica está colocando suas melhores ferramentas a serviço desta investigação, “aumentando muito a capacidade de cálculo e de revisão das alterações genéticas do coronavírus”, considerando que a Covid-19 “pode causar retrocesso na expectativa de vida em várias partes do mundo” e que, no futuro, segundo estudos, “deverá ser sazonal como outros vírus respiratórios”. De forma resumida diria ainda que, no campo da bioinformática tem havido grandes inovações na análise da sequência do material genético de cada vírus que infecta as pessoas.

· Testes – Técnicas de diagnósticos também avançaram e se diversificaram na pandemia. Um dos grandes desafios no combate à Covid-19 tem sido detectar pessoas infectadas a fim de isolá-las e, assim, conter a disseminação da doença. O desenvolvimento de técnicas de diagnóstico muito poderosas e que usam ferramentas de edição de genes — um elemento muito importante da genética hoje, é um diferencial, permitindo ao pesquisador reconhecer que testes de diagnóstico rápido são "menos sensíveis" que os testes moleculares (PCR), e portanto muitos acabam não sendo confiáveis para a tomada de decisões, mas têm a vantagem de oferecer resultados imediatos e ajudar epidemiologistas a traçar um cenário sobre o avanço (ou não) da doença em determinadas comunidades.

· A corrida da vacina - O fato deste coronavírus e a doença que ele causa serem novos significa que ainda há muito desconhecimento sobre eles. Mas há algo que para os especialistas é evidente: a única maneira de chegar a uma imunidade coletiva é com uma vacina. E o sucesso disto depende do cumprimento de alguns requisitos: “é preciso encontrar uma candidata (vacina) que se mostre eficaz, segura e passível de ser administrada à população de forma massiva”.

"Se, como diz a OMS, isso acontecesse em 2022 — embora nos pareça distante —, seria um grande sucesso, considerando o tempo que se levou para obter outras vacinas e aplicá-las em grande parte da população mundial." Na verdade, o prazo usual para o desenvolvimento de vacinas é de 15 a 20 anos; consideremos que agora, pode ser que cheguemos a um recorde de um ou um ano e meio.

· Outros tratamentos - Além da corrida por uma vacina, pesquisadores também estão dedicados ao desenvolvimento de tratamentos para pacientes infectados com o novo coronavírus — seja com medicamentos existentes, completamente novos, apostando no vírus como alvo ou no fortalecimento do sistema imunológico. Residem também terapias em teste que focam em diferentes fases da doença, desde as mais leves às mais graves. Ainda que, a OMS monitora mais de 1,7 mil estudos com terapias em potencial pelo mundo, dos quais 990 já estão recrutando pacientes para experimentos.

· Práticas de higiene - Outro grande avanço, este não diretamente relacionado às pesquisas nos laboratórios, mas que, é fundamental para o futuro, é a introdução na cultura dos cidadãos de certos hábitos de higiene e prevenção que ajudarão a conter este e outros surtos causados por vírus. Refiro-me a circunstância do uso de máscaras e de se evitar locais com aglomeração, principalmente fechados, mesmo quando residindo pessoas com sintomas gripais. Na verdade, estudos em diferentes países já mostram que as medidas tomadas contra a Covid-19 tornaram a temporada de outras doenças respiratórias virais menos extensa e mortal.

Neste contexto, a importância da Ciência, o que, significamente, cidadãos quiseram saber sobre saúde e ciência, e fizeram-no diretamente com os especialistas e, estes, por sua vez, têm se esforçado para se comunicar melhor, estimulados pela busca por informação de qualidade por parte dos jornalistas e sociedade, momento de uma mudança profunda e resultado da pandemia é que a sociedade entendeu que a solução passa pela ciência. E considere-se que “comunicar ciência não é fácil”, sendo certo que os avanços também são lentos e com base em evidências muitas vezes não óbvias, que se modificam quando surgem novas evidências. Assim, acredito que tem havido um grande avanço mútuo da ciência e da sociedade, porque agora estão mais próximas do que nunca e devem se apoiar.

Roberto Costa Ferreira,  SP,  17Nov2020

Relator Comissão de Ética em Pesquisa-USP/UNIFESP


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