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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

No dia de hoje – 29 de Novembro de 1832 – promulga-se o Código do Processo Criminal do Império do Brasil - Um marco na história da legislação brasileira

 


O Governo Imperial, no dia de hoje – 29 de Novembro de 1832 - promulga o Código do Processo Criminal do Império do Brasil, substituindo as antigas normas portuguesas em vigor desde o período colonial. Foi um marco importante na história da legislação brasileira: 

  • pois estabeleceu as regras para o processo penal no país,
  • substituindo as antigas normas portuguesas em vigor desde o período colonial.

O primeiro código penal do Brasil independente, elaborado em 1830, época de D. Pedro I, fazia distinção entre os escravizados negros e os cidadãos livres na hora de ditar parte das punições, ainda que os crimes cometidos fossem os mesmos. Não havia a plena isonomia, isto é, a igualdade de todos perante a lei. Ao longo das seis décadas seguintes, até a Proclamação da República, foi essa lei que buscou moldar o comportamento dos brasileiros na vida em sociedade.

O Código Criminal do Império permitia que os juízes sentenciassem os cidadãos livres a uma dezena de penas diferentes, a depender do crime:

  • morte na forca,
  • galés (trabalhos públicos forçados, com os indivíduos acorrentados uns aos outros),
  • prisão com ou sem trabalho,
  • banimento (expulsão definitiva do Brasil),
  • degredo (mudança para cidade determinada na sentença),
  • desterro (expulsão da cidade onde se deu o crime),
  • suspensão ou demissão de emprego público e pagamento de multa.

A prisão podia ser perpétua ou temporária, assim como as galés, o degredo e o desterro. Dessa extensa lista de penas aplicáveis aos cidadãos livres, sobre os escravizados só recaíam as duas mais terríveis: morte e galés. Caso recebessem do tribunal uma sentença mais branda, como prisão ou multa, o Código Criminal de 1830 ordenava a sua conversão automática em açoites — pena proibida para os livres. Assim, havia apenas três castigos legais possíveis para os escravizados.

A punição não podia exceder 50 chicotadas diárias. Caso o juiz fixasse um total de 200 açoites, por exemplo, a pena teria que ser fracionada em pelo menos quatro dias. Uma vez castigados pelas autoridades, os escravizados de origem africana eram devolvidos aos seus senhores e ainda tinham que passar uma temporada acorrentados. As chibatas eram aplicadas pelo poder público apesar de a Constituição do Império ditar expressamente que no território nacional estavam “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”.

Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou não a pena de morte.

O deputado Francisco de Paula Sousa (SP) discursou a favor da forca: 

 — O sistema de escravidão no Brasil é certamente péssimo. Porém, havendo entre nós muitos escravos, são precisas leis fortes, terríveis, para conter essa gente bárbara. Quem duvida que, tendo o Brasil 3 milhões de gente livre, incluídos ambos os sexos e todas as idades, esse número não chegue para arrostar [enfrentar] 2 milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegar em armas? O que, senão o terror da morte, fará conter essa gente imoral nos seus limites?

Para Sousa, a mera prisão não seria uma punição pesada o suficiente para os escravizados:

— Excluindo-se do código a pena de morte e as galés, resta a prisão. Ora, o escravo que vive vergado sob o peso dos trabalhos terá porventura horror a encerrar-se em uma prisão, onde poderá entregar-se à ociosidade e à embriaguez, paixões favoritas dos escravos? Ele julgará antes um prêmio que o incitará ao crime.

Citarei um exemplo mui frisante. Na Filadélfia no tempo do inverno, a gente desarranjada cometia pequenos crimes para ser recolhida à casa de correção. Foi necessário tornar a prisão mais incômoda, acrescentando-lhe trabalhos pesados. Contrário à pena capital, o deputado Antônio Pereira Rebouças (BA)pai do futuro abolicionista André Rebouças — discordou do colega. Para ele, a morte não aterrorizava os escravizados:

—  Os escravos não podem assaz prezar a vida, porque assaz não a gozam. Se para alguém a morte é menos repressiva, é para eles, que sem nenhuma boa esperança se insurgem e morrem brutalmente. Os suicídios mais frequentes são os deles, que creem na transmigração, creem que morrendo passarão desta para a sua terra. Faça-se para os escravos uma ordenança separada. E, por eles, não façamos tamanho mal aos cidadãos, aos homens livres.

Quando o Código Criminal foi assinado por D. Pedro I, fazia apenas oito anos que o Brasil havia se tornado um Estado independente. Era o período de sepultar as instituições coloniais e construir as nacionais. A Constituição havia nascido em 1824. O Senado e a Câmara, em 1826. O Supremo Tribunal de Justiça, em 1828. Faltava um código legal que balizasse a conduta dos súditos e, assim, garantisse a ordem e a segurança dentro da nova nação.

Desde que foram abertos, o Senado e a Câmara se preocuparam com a falta dessa lei. O deputado Silva Maia (MG) chegou a propor um prêmio ao jurista que levasse ao Parlamento a melhor sugestão. Não se chegou a organizar o tal concurso. O Código Criminal foi construído a partir das bases fixadas em 1827 por dois projetos de lei apresentados na Câmara, um do deputado José Clemente Pereira (RJ) e o outro do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos (MG).

Não é que o Brasil do Primeiro Reinado fosse uma terra sem lei ou estivesse mergulhada no caos social antes da criação do Código Criminal. Apesar da ruptura com Portugal, uma série de leis lusitanas:

  • baixadas na época da Colônia (1500-1815) e,
  • do Reino Unido (1815-1822) continuaram valendo.

Uma delas eram as Ordenações Filipinas, de 1603, que tinham uma parte dedicada exclusivamente às questões criminais.

A lei do século 17, porém, já estava em larga medida claramente ultrapassada no século 19. Crimes e penas da época do absolutismo monárquico não faziam sentido na era do liberalismo político. Entre as punições, figuravam falar mal do rei e praticar feitiçaria. Entre as penas, a amputação de membros e a marcação da pele com ferro em brasa. A pena de morte era prevista a torto e a direito.

Nós não temos Código Criminal, não merecendo esse nome o acervo de leis desconexas, ditadas em tempos remotos, sem o conhecimento dos verdadeiros princípios e influídas pela superstição e por grosseiros prejuízos [preconceitos], igualando-se às de Draco em barbaridade e excedendo-as na qualificação absurda dos crimes, irrogando [aplicando] penas a fatos a que a razão nega existência e a outros que estão fora dos limites do poder social”, avaliou uma comissão de senadores e deputados encarregada de dar forma ao Código Criminal.

Desse modo, partindo do destaque acima, desenvolvo um breve estudo sobre o contexto de formação de novas leis no Brasil em seguida a ocorrência da Independência, dando especial atenção ao Código do Processo Criminal em 1832, que tinha por finalidade de administrar os usos da justiça no país, e a organização judiciária no Brasil. Dessa forma, objetiva-se responder a seguinte questão:

- como o Código do Processo Criminal transformou a administração da Justiça no Brasil na primeira metade do século XIX, e como foi a sua recepção entre os principais envolvidos no judiciário brasileiro?

Para responder à questão principal, este estudo privilegiou o debate historiográfico e análise de fontes documentais, tais como: 

  • relatórios de ministros da justiça e a legislação da época, a fim de compreender, 
  • além do contexto histórico, quais as principais críticas que foram tecidas a esse aparato legal.

A primeira metade do século XIX, especialmente a partir dos anos vinte, fora marcada pela formação do Estado Imperial brasileiro, assim como, pelo desenvolvimento da relação entre aquela sociedade e o Estado, nesse período, ocorreram transformações de cunho político e administrativo, que visavam organizar o início da máquina administrativa do país que se tornara independente em 1822.

Foi, a partir dos primeiros passos que convergiam para a construção do Estado-nação que ocorreu a expansão do aparelho administrativo judiciário, estabelecendo um modelo de ordem e a compreensão de como a justiça deveria ser percebida e conduzida pela sociedade brasileira e, especialmente, pelos responsáveis pela administração da justiça no país. Esse período formativo do Estado brasileiro foi um momento significativo, e segundo Vivian Chieregati Costa, atribuiu maior ênfase a:

 “[...] manutenção da unidade territorial, a necessária reforma da máquina burocrática herdada do período colonial e a consolidação de um novo arranjo de poder[...]”,  (2013. p. 15), 

voltado para a consolidação de um poder central forte e preponderante sobre todo o território. Ainda de acordo tal estudo, nessa conjuntura, a montagem do sistema jurídico brasileiro teve importância significativa por incidir diretamente sobre:

  “[...] os projetos institucionais arquitetados para a nova nação”,  (2013. p. 14).

Nesse contexto, o primeiro momento da história do Estado brasileiro independente foi marcado pela interação entre os interesses de uma elite de proprietários e o poder estatal, relação que veio a contribuir para a construção de um poder nacional com o intuito de se constituir o ideal de unidade nacional, sendo o Estado o organizador da sociedade. O governo imperial ia se constituindo como um aparelho político-administrativo que visava, acima de tudo, a construção de uma ordem social que levasse ao desenvolvimento da sociedade de uma maneira geral.

De acordo com Joice de Souza Soares, a preocupação com a ordem e segurança pública esteve muito presente na vida dos homens de Estado desse período, sendo:

 “a criação de distintas instituições nos anos iniciais da década de 1830 [...] um elemento fundamental para o entendimento da dinâmica imperial [...]”  (2017, p. 71).

 

Com a Constituição Imperial outorgada em 1824, o Código Criminal do Império de 1830, o Código do Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834o judiciário brasileiro vivenciou uma nova fase, sendo esses preceitos normativos responsáveis pelo ordenamento jurídico do Brasil desse período.

Segundo Marilene Antunes Sant‟Anna, desde as primeiras décadas do século XIX, o Brasil vivenciou uma transformação na forma das punições aos indivíduos considerados criminosos, sendo que:

 “do ponto de vista jurídico, a Constituição de 1824 e o Código Criminal de 1830 introduziram a questão do aprisionamento moderno no país” (2017, p. 287).

Nessa conjuntura, a Constituição Imperial, determinou que as cadeias fossem locais seguros, limpos, com divisões dos réus a partir da diversidade dos crimes cometidos (BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil - 25 de março de 1824. Parágrafo XXI, Art. 179), onde temos: 

  • uma definição que expunha a preocupação com a vida dos indivíduos criminosos e, 
  • refletia a cultura jurídica da época que,  
  • se espelhando em um conjunto de ideias liberais europeias, 
  • viam a punição como uma forma de correção moral.  (SANT‟ANNA. 2017. p. 291).

De acordo com Flávia Maria de Araújo Gonçalves, com a concretização da independência do Brasil, houve a formação de um novo pacto social e por conta disso se estabeleceu uma nova estruturação jurídica no país, algo que teve início com a outorga da Constituição Imperial em 1824 (2016. p. 23).

Em 1830, com a promulgação do Código Criminal, foi fixada: 

  • a pena de prisão com trabalho, 
  • prisão simples, assim como pena de degredo e de morte (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil. Título II, Capítulo I), 
  • entre outras formas punitivas.

Nesse preceito normativo, a definição do transgressor esteve presente, estando em destaque à concepção de que o sujeito só seria considerado criminoso caso seu ato estivesse qualificado na lei penal como ação ilegal, passível de punição (Art. 1º); esse preceito, segundo Flávia Maria de Araújo Gonçalves:

 “[...] foi concebido no contexto da monarquia constitucional e da garantia de direitos civis” (2016. p. 21). 

Nesse sentido na lei estava previsto que:

 [...] Art. 3º  Não haverá criminoso, ou delinquente, sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal, e intenção de praticá-lo;

Art. 4º  São criminosos, como autores, os que cometerem constrangerem, ou mandarem alguém cometer crimes.

Art. 5º  São criminosos, como cúmplices, todos os mais, que diretamente concorrerem para se cometer crimes.  [...] (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil).

Com a intenção de assegurar a ordem social no Brasil, o Código Criminal tratava dos crimes e das penas a serem aplicadas

  • sendo uma das ferramentas de um projeto normalizador que visava assegurar a manutenção da tranquilidade pública e regulamentação das relações sociais da sociedade brasileira, 
  • assim como a manutenção do Estado independente.

Ao definir os crimes e as penas, assim como destacar o que tornava um sujeito criminoso, também fez destaque às circunstâncias que não se qualificavam como ilegalidade, o que por consequência não tornaria o sujeito criminoso:

 Art. 9º Não se julgarão criminosos:

1º Os que imprimirem, e de qualquer modo fizerem circular as opiniões, e os discursos, enunciados pelos Senadores, ou Deputados no exercício de suas funções, contanto que não sejam alterados essencialmente na substância.

 Os que fizerem análises razoáveis dos princípios, e usos religiosos.

3º Os que fizerem análises razoáveis da Constituição, não se atacando as suas bases fundamentais; e das Leis existentes, não se provocando a desobediência a elas.

4º Os que censurarem os atos do Governo, e da Pública Administração, em termos, posto que vigorosos, decentes, e comedidos. 

Art. 10. Também não se julgarão criminosos:

1º Os menores de quatorze anos.

 Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos, e neles cometerem o crime.

3º Os que cometerem crimes violentos por força, ou por medo irresistível.

4º Os que cometerem crimes casualmente no exercício, ou prática de qualquer ato lícito, feito com atenção ordinária (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil).

A definição do que deveria ser julgado como ação criminosa ou não, delimitava as ações e delineava o desenvolvimento da relação entre Estado e sociedade, sendo que o exercício do poder do Estado alcançava legitimidade por meio da administração dos legalismos/ilegalismos. Os usos da justiça, nesse contexto, foram delimitados a partir de um aparato legal, sendo o Código do Processo Criminal de 1832

  • responsável pela organização judiciária no Brasil, 
  • contribuindo para a sistematização do poder diante do conjunto da população(BRASIL. Código do Processo Criminal do Império de 1832).

Também nesse contexto de definição das limitações, durante a Regência Trina Permanente1, o Ato Adicional de 1834, lei nº 16 de doze de agosto de 1834 (BRASIL. Ato Adicional de 1834) fez alterações e adições a Constituição de 1824, instituindo-se como uma das ferramentas necessárias ao Estado Nacional para manter sobre seu domínio o monopólio do poder de punir, haja vista que tanto a Constituição de 1824, o Código Criminal de 1830, o Código do Processo de 1832, o Ato Adicional de 1834, assim como os Códigos de Posturas Municipais, os Termos de Bem viver, os Regulamentos e outras leis, representavam a autoridade soberana do Estado seja em sua esfera nacional ou provincial e local, haja vista que a intenção era edificar a ordem centralizada legitimando o aparato estatal. 

Com as mudanças institucionais causadas pela Independência, houve a ocorrência de diversas alterações normativas e punitivas. Foi, sobretudo, na primeira metade daquele século que houve a regulamentação de novos mecanismos de administração da justiça, que estabeleceram as formas de controle social e a condução da justiça que apresentavam o interesse em construir o novo país através de mecanismos civilizatórios e, para que este objetivo fosse alcançado, foi necessário seguir algumas propostas europeias [sic] no campo do direito penal, que desde o século XVIII já vinha sendo modificadas através de uma reforma nas bases do pensamento jurídico-penal.

Grande parte dos homens que participaram do processo de emancipação política brasileira tiveram em comum sua formação na Universidade de Coimbra. Essa geração foi responsável por implementar no Brasil as bases do chamadodireito penal moderno‟ ou “liberal‟. Os “egressos‟ de Coimbra contribuíram para a transformação de um conjunto fundamental de ideias [sic] e práticas; 

  • eles foram responsáveis não só pela estruturação do Poder Judiciário no Brasil, mas também, 
  • pela revisão do modelo penal utilizado até então.

Foram esses homens que discutiram propostas iluministas recorrentes na Europa moldando-as à realidade de um país em construção (NORONHA, 2004. p. 03. grifo da autora). Foi no período que corresponde à Regência, que ocorreram os maiores confrontos, assim como o desenvolvimento da participação na vida pública de membros da elite que provinham tanto do grande comércio, do alto escalão militar e das grandes propriedades, entre outros grupos que vieram a compor o cenário político brasileiro que estava em tempo de elaboração das bandeiras de luta, a serem desenvolvidas para a nova fase política do Império brasileiro.

No âmbito jurídico, especialmente nos anos 30, a inovações na legislação em função do Código Criminal do Império de 1830 e o Código do Processo Criminal de 1832, proporcionaram acirrados debates, pois ambos foram elaborados para se estabelecerem como instrumentos de ordenamento da sociedade através das determinações jurídicas, especialmente em observância ao comando da Constituição Imperial, em seu art. 179, § 18, constavam a exigência de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade” (BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil - 25 de março de 1824).

A partir dessa premissa, os dois primeiros Códigos aprovados foram

  • Código Criminal do Império do Brasil promulgado no ano de 1830, mas que vigorou, só a partir de oito de janeiro de 1831; 
  • e o Código do Processo Criminal de 1832, de vinte e nove de dezembro de 1832 que definiam quais ações seriam consideradas criminosas.

A partir disso, instituiu-se um sistema de organização da sociedade, através de uma legislação que pretendia estabelecer a disciplina através da penalização dos crimes cometidos.  Por se tratar de um período em que o Império brasileiro estava em formação, houve a erupção de um conjunto de determinações legais e também o sistema de regulamentos que pretendiam gerir a vida dos cidadãos, com a finalidade de impedir a ocorrência de atitudes indesejadas. O sistema de legalidade e regulamentos que se formou nesse período aspirava precaver-se das ações consideradas criminosas que poderiam trazer mal-estar a sociedade e também ao governo imperial.

Notadamente, os códigos representavam um sistema voltado para a tentativa de controle sobre o acontecimento eventual e, principalmente, a divisão entre o permitido e o proibido. Os primeiros momentos da história do Império foram conduzidos à estruturação dos espaços, o controle do território e, principalmente, a administração das condutas, através da legislação.  Distribuindo seus tentáculos sob o Brasil, o governo, por meio da Regência, pretendia vigiar e, principalmente, administrar as diferentes regiões do Império, estabelecendo a organização de um olhar dominante, que nas palavras de Ilmar Rohloff de Mattos se desenvolveu como a:

 “[…] força de um olhar vigilante, dominador e dirigente […] proporcional à capacidade de forjar o que se entende por público, de delimitar um espaço correspondente ao da área da Corte no interior do privado” (MATTOS, 2004. p. 222). 

Enfim, a elaboração desse sistema punitivo se estabelecia também, com o propósito de promover maior controle e vigilância, haja vista que “nesse contexto, as elites políticas, em especial a elite política da Corte, centro da direção nacional, precisavam de expedientes para vigiar e criminalizar os atos políticos e cotidianos da população” (ALBUQUERQUE NETO, 2008, p. 05).

O CÓDIGO DO PROCESSO CRIMINAL DE 1832 E A DESCENTRALIZAÇÃO DA JUSTIÇA.

Na década seguinte a Independência do Brasil, ocorreu uma reformulação do sistema judiciário operante no país, estabelecendo-se novas bases amparadas na legislação liberal de caráter descentralizador, através desses novos princípios estruturadores, entraram em cena, no cenário jurídico do país, figuras como os juízes de paz e o tribunal do júri, que foram os principais responsáveis pela descentralização do setor jurídico(KOERNER, 1998, p. 34).

A reforma do judiciário ampliou-se a partir da promulgação do Código do Processo Criminal em vinte e nove de novembro de 1832, uma vez que esse código estabelecia as disposições preliminares destinadas aos cargos envolvidos com a administração da Justiça em primeira instância no país. Partindo desta data o aparelho judicial brasileiro passou a tomar forma especialmente pelas atribuições dadas: 

  • aos juízes de paz,  
  • ao juiz municipal e, 
  • ao juiz de direito na primeira instância.

No artigo 12, inciso 2º do Código do Processo Criminal, se previa a atribuição de competências ao juiz de paz, figura central na descentralização do judiciário nos anos trinta do século XIX, entre suas atribuições estava: 

  • obrigar aos vadios, mendigos, bêbados, prostitutas, que eram considerados perturbadores do sossego público a assinar o termo de bem viver, 
  • que se tratava de um instrumento punitivo que visava o controle sob os sujeitos considerados turbulentos, que por palavras ou por ações viriam a ofender os bons costumes e a tranquilidade da vida pública, 
  • esse era um dos dispositivos, presente no Código de 1830, que contribuía para controlar as ações dos cidadãos.

Ainda estava firmado que o juiz de paz se encarregaria de iniciar a ação penal, ouvir as testemunhas, proceder ao auto de corpo de delito, e julgar as contravenções as Posturas Municipais, entre outras coisas(BRASIL. Código do Processo Criminal do Império de 1832).  Em sua estrutura, o Código do Processo Criminal de 1832, distinguia a maneira pela qual deveriam ser conduzidos os procedimentos relativos às investigações dos crimes públicos e particulares. Os crimes públicos delegavam a ação penal ao promotor público ou até mesmo ao cidadão, como previsto, entre os crimes destacados nessa seção estavam incluídos os crimes políticos.

De certa maneira, o Código do Processo, previa em sua estrutura, as competências relativas à administração da justiça, sendo, nesse sentido, que a prática jurídica passava a ser dividida em distrito de paz, em termos e comarcas; seguindo uma hierarquia, os distritos eram delegados aos juízes de paz, os termos aos promotores públicos, que atuavam em companhia de um juiz municipal, um conselho de jurados, um escrivão das execuções e demais oficiais; já às comarcas eram designados os juízes de direito.

O Código do Processo ainda estabelecia os procedimentos destinados a um processo criminal, formalizando a maneira pela qual se deveriam apresentar as queixas para que a prisão fosse efetuada e o transgressor pudesse ser indiciado. Nas palavras de Oswaldo Machado Filho, este código 

especificava, ainda, a forma como os julgamentos deveriam ser conduzidos e os passos para a apelação”,

ainda se apresentavam as garantias aos indivíduos, que por alguma razão havia contravertido a ordem, entre elas: 

. revista, apenas com mandado judicial;

2º. prisão, somente com mandado ou flagrante;

. o direito a habeas corpus;

 julgamento em tribunais abertos e com acareação de testemunhas”(MACHADO FILHO, 2006, p. 215).

De certa maneira, essas garantias visavam à proteção da liberdade de ir e vir, sendo que o habeas corpus passou a ser o meio jurídico essencial para esse fim. Convém destacar que os anos trinta do século XIX, marcaram o desenvolvimento do experimento liberal, que realizou a descentralização da máquina judiciária do país, dessa forma, teve-se o crescimento de uma estrutura que passou a privilegiar o poder local das províncias, o que significava um corte significativo no processo centralizador vivido nos primeiros anos do Império.

A publicação do Código Criminal do Império de 1830 e do Código do Processo Criminal em 1832 representou ainda

  • a solidificação do aparelho jurídico-penal do país,
  • contribuindo para o incremento de instituições coercitivas que proporcionariam maior controle sob os cidadãos no âmbito dos ilegalismos;
  • no entanto, as críticas a este processo descentralizador se estenderam por diversos debates, 
  • Fatos estes que ocasionaram conflitos entre liberais e conservadores no âmbito político do país.

 

ROBERTO  COSTA  FERREIRA

 PROFESSOR  -  PSICANALISTA  -  PESQUISADOR

HILASA- Inst. História Letras Artes S. Amaro

UNIFESP - Universidade Federal São Paulo


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