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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

No dia de hoje – 29 de Novembro de 1832 – promulga-se o Código do Processo Criminal do Império do Brasil - Um marco na história da legislação brasileira

 


O Governo Imperial, no dia de hoje – 29 de Novembro de 1832 - promulga o Código do Processo Criminal do Império do Brasil, substituindo as antigas normas portuguesas em vigor desde o período colonial. Foi um marco importante na história da legislação brasileira: 

  • pois estabeleceu as regras para o processo penal no país,
  • substituindo as antigas normas portuguesas em vigor desde o período colonial.

O primeiro código penal do Brasil independente, elaborado em 1830, época de D. Pedro I, fazia distinção entre os escravizados negros e os cidadãos livres na hora de ditar parte das punições, ainda que os crimes cometidos fossem os mesmos. Não havia a plena isonomia, isto é, a igualdade de todos perante a lei. Ao longo das seis décadas seguintes, até a Proclamação da República, foi essa lei que buscou moldar o comportamento dos brasileiros na vida em sociedade.

O Código Criminal do Império permitia que os juízes sentenciassem os cidadãos livres a uma dezena de penas diferentes, a depender do crime:

  • morte na forca,
  • galés (trabalhos públicos forçados, com os indivíduos acorrentados uns aos outros),
  • prisão com ou sem trabalho,
  • banimento (expulsão definitiva do Brasil),
  • degredo (mudança para cidade determinada na sentença),
  • desterro (expulsão da cidade onde se deu o crime),
  • suspensão ou demissão de emprego público e pagamento de multa.

A prisão podia ser perpétua ou temporária, assim como as galés, o degredo e o desterro. Dessa extensa lista de penas aplicáveis aos cidadãos livres, sobre os escravizados só recaíam as duas mais terríveis: morte e galés. Caso recebessem do tribunal uma sentença mais branda, como prisão ou multa, o Código Criminal de 1830 ordenava a sua conversão automática em açoites — pena proibida para os livres. Assim, havia apenas três castigos legais possíveis para os escravizados.

A punição não podia exceder 50 chicotadas diárias. Caso o juiz fixasse um total de 200 açoites, por exemplo, a pena teria que ser fracionada em pelo menos quatro dias. Uma vez castigados pelas autoridades, os escravizados de origem africana eram devolvidos aos seus senhores e ainda tinham que passar uma temporada acorrentados. As chibatas eram aplicadas pelo poder público apesar de a Constituição do Império ditar expressamente que no território nacional estavam “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”.

Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou não a pena de morte.

O deputado Francisco de Paula Sousa (SP) discursou a favor da forca: 

 — O sistema de escravidão no Brasil é certamente péssimo. Porém, havendo entre nós muitos escravos, são precisas leis fortes, terríveis, para conter essa gente bárbara. Quem duvida que, tendo o Brasil 3 milhões de gente livre, incluídos ambos os sexos e todas as idades, esse número não chegue para arrostar [enfrentar] 2 milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegar em armas? O que, senão o terror da morte, fará conter essa gente imoral nos seus limites?

Para Sousa, a mera prisão não seria uma punição pesada o suficiente para os escravizados:

— Excluindo-se do código a pena de morte e as galés, resta a prisão. Ora, o escravo que vive vergado sob o peso dos trabalhos terá porventura horror a encerrar-se em uma prisão, onde poderá entregar-se à ociosidade e à embriaguez, paixões favoritas dos escravos? Ele julgará antes um prêmio que o incitará ao crime.

Citarei um exemplo mui frisante. Na Filadélfia no tempo do inverno, a gente desarranjada cometia pequenos crimes para ser recolhida à casa de correção. Foi necessário tornar a prisão mais incômoda, acrescentando-lhe trabalhos pesados. Contrário à pena capital, o deputado Antônio Pereira Rebouças (BA)pai do futuro abolicionista André Rebouças — discordou do colega. Para ele, a morte não aterrorizava os escravizados:

—  Os escravos não podem assaz prezar a vida, porque assaz não a gozam. Se para alguém a morte é menos repressiva, é para eles, que sem nenhuma boa esperança se insurgem e morrem brutalmente. Os suicídios mais frequentes são os deles, que creem na transmigração, creem que morrendo passarão desta para a sua terra. Faça-se para os escravos uma ordenança separada. E, por eles, não façamos tamanho mal aos cidadãos, aos homens livres.

Quando o Código Criminal foi assinado por D. Pedro I, fazia apenas oito anos que o Brasil havia se tornado um Estado independente. Era o período de sepultar as instituições coloniais e construir as nacionais. A Constituição havia nascido em 1824. O Senado e a Câmara, em 1826. O Supremo Tribunal de Justiça, em 1828. Faltava um código legal que balizasse a conduta dos súditos e, assim, garantisse a ordem e a segurança dentro da nova nação.

Desde que foram abertos, o Senado e a Câmara se preocuparam com a falta dessa lei. O deputado Silva Maia (MG) chegou a propor um prêmio ao jurista que levasse ao Parlamento a melhor sugestão. Não se chegou a organizar o tal concurso. O Código Criminal foi construído a partir das bases fixadas em 1827 por dois projetos de lei apresentados na Câmara, um do deputado José Clemente Pereira (RJ) e o outro do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos (MG).

Não é que o Brasil do Primeiro Reinado fosse uma terra sem lei ou estivesse mergulhada no caos social antes da criação do Código Criminal. Apesar da ruptura com Portugal, uma série de leis lusitanas:

  • baixadas na época da Colônia (1500-1815) e,
  • do Reino Unido (1815-1822) continuaram valendo.

Uma delas eram as Ordenações Filipinas, de 1603, que tinham uma parte dedicada exclusivamente às questões criminais.

A lei do século 17, porém, já estava em larga medida claramente ultrapassada no século 19. Crimes e penas da época do absolutismo monárquico não faziam sentido na era do liberalismo político. Entre as punições, figuravam falar mal do rei e praticar feitiçaria. Entre as penas, a amputação de membros e a marcação da pele com ferro em brasa. A pena de morte era prevista a torto e a direito.

Nós não temos Código Criminal, não merecendo esse nome o acervo de leis desconexas, ditadas em tempos remotos, sem o conhecimento dos verdadeiros princípios e influídas pela superstição e por grosseiros prejuízos [preconceitos], igualando-se às de Draco em barbaridade e excedendo-as na qualificação absurda dos crimes, irrogando [aplicando] penas a fatos a que a razão nega existência e a outros que estão fora dos limites do poder social”, avaliou uma comissão de senadores e deputados encarregada de dar forma ao Código Criminal.

Desse modo, partindo do destaque acima, desenvolvo um breve estudo sobre o contexto de formação de novas leis no Brasil em seguida a ocorrência da Independência, dando especial atenção ao Código do Processo Criminal em 1832, que tinha por finalidade de administrar os usos da justiça no país, e a organização judiciária no Brasil. Dessa forma, objetiva-se responder a seguinte questão:

- como o Código do Processo Criminal transformou a administração da Justiça no Brasil na primeira metade do século XIX, e como foi a sua recepção entre os principais envolvidos no judiciário brasileiro?

Para responder à questão principal, este estudo privilegiou o debate historiográfico e análise de fontes documentais, tais como: 

  • relatórios de ministros da justiça e a legislação da época, a fim de compreender, 
  • além do contexto histórico, quais as principais críticas que foram tecidas a esse aparato legal.

A primeira metade do século XIX, especialmente a partir dos anos vinte, fora marcada pela formação do Estado Imperial brasileiro, assim como, pelo desenvolvimento da relação entre aquela sociedade e o Estado, nesse período, ocorreram transformações de cunho político e administrativo, que visavam organizar o início da máquina administrativa do país que se tornara independente em 1822.

Foi, a partir dos primeiros passos que convergiam para a construção do Estado-nação que ocorreu a expansão do aparelho administrativo judiciário, estabelecendo um modelo de ordem e a compreensão de como a justiça deveria ser percebida e conduzida pela sociedade brasileira e, especialmente, pelos responsáveis pela administração da justiça no país. Esse período formativo do Estado brasileiro foi um momento significativo, e segundo Vivian Chieregati Costa, atribuiu maior ênfase a:

 “[...] manutenção da unidade territorial, a necessária reforma da máquina burocrática herdada do período colonial e a consolidação de um novo arranjo de poder[...]”,  (2013. p. 15), 

voltado para a consolidação de um poder central forte e preponderante sobre todo o território. Ainda de acordo tal estudo, nessa conjuntura, a montagem do sistema jurídico brasileiro teve importância significativa por incidir diretamente sobre:

  “[...] os projetos institucionais arquitetados para a nova nação”,  (2013. p. 14).

Nesse contexto, o primeiro momento da história do Estado brasileiro independente foi marcado pela interação entre os interesses de uma elite de proprietários e o poder estatal, relação que veio a contribuir para a construção de um poder nacional com o intuito de se constituir o ideal de unidade nacional, sendo o Estado o organizador da sociedade. O governo imperial ia se constituindo como um aparelho político-administrativo que visava, acima de tudo, a construção de uma ordem social que levasse ao desenvolvimento da sociedade de uma maneira geral.

De acordo com Joice de Souza Soares, a preocupação com a ordem e segurança pública esteve muito presente na vida dos homens de Estado desse período, sendo:

 “a criação de distintas instituições nos anos iniciais da década de 1830 [...] um elemento fundamental para o entendimento da dinâmica imperial [...]”  (2017, p. 71).

 

Com a Constituição Imperial outorgada em 1824, o Código Criminal do Império de 1830, o Código do Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834o judiciário brasileiro vivenciou uma nova fase, sendo esses preceitos normativos responsáveis pelo ordenamento jurídico do Brasil desse período.

Segundo Marilene Antunes Sant‟Anna, desde as primeiras décadas do século XIX, o Brasil vivenciou uma transformação na forma das punições aos indivíduos considerados criminosos, sendo que:

 “do ponto de vista jurídico, a Constituição de 1824 e o Código Criminal de 1830 introduziram a questão do aprisionamento moderno no país” (2017, p. 287).

Nessa conjuntura, a Constituição Imperial, determinou que as cadeias fossem locais seguros, limpos, com divisões dos réus a partir da diversidade dos crimes cometidos (BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil - 25 de março de 1824. Parágrafo XXI, Art. 179), onde temos: 

  • uma definição que expunha a preocupação com a vida dos indivíduos criminosos e, 
  • refletia a cultura jurídica da época que,  
  • se espelhando em um conjunto de ideias liberais europeias, 
  • viam a punição como uma forma de correção moral.  (SANT‟ANNA. 2017. p. 291).

De acordo com Flávia Maria de Araújo Gonçalves, com a concretização da independência do Brasil, houve a formação de um novo pacto social e por conta disso se estabeleceu uma nova estruturação jurídica no país, algo que teve início com a outorga da Constituição Imperial em 1824 (2016. p. 23).

Em 1830, com a promulgação do Código Criminal, foi fixada: 

  • a pena de prisão com trabalho, 
  • prisão simples, assim como pena de degredo e de morte (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil. Título II, Capítulo I), 
  • entre outras formas punitivas.

Nesse preceito normativo, a definição do transgressor esteve presente, estando em destaque à concepção de que o sujeito só seria considerado criminoso caso seu ato estivesse qualificado na lei penal como ação ilegal, passível de punição (Art. 1º); esse preceito, segundo Flávia Maria de Araújo Gonçalves:

 “[...] foi concebido no contexto da monarquia constitucional e da garantia de direitos civis” (2016. p. 21). 

Nesse sentido na lei estava previsto que:

 [...] Art. 3º  Não haverá criminoso, ou delinquente, sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal, e intenção de praticá-lo;

Art. 4º  São criminosos, como autores, os que cometerem constrangerem, ou mandarem alguém cometer crimes.

Art. 5º  São criminosos, como cúmplices, todos os mais, que diretamente concorrerem para se cometer crimes.  [...] (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil).

Com a intenção de assegurar a ordem social no Brasil, o Código Criminal tratava dos crimes e das penas a serem aplicadas

  • sendo uma das ferramentas de um projeto normalizador que visava assegurar a manutenção da tranquilidade pública e regulamentação das relações sociais da sociedade brasileira, 
  • assim como a manutenção do Estado independente.

Ao definir os crimes e as penas, assim como destacar o que tornava um sujeito criminoso, também fez destaque às circunstâncias que não se qualificavam como ilegalidade, o que por consequência não tornaria o sujeito criminoso:

 Art. 9º Não se julgarão criminosos:

1º Os que imprimirem, e de qualquer modo fizerem circular as opiniões, e os discursos, enunciados pelos Senadores, ou Deputados no exercício de suas funções, contanto que não sejam alterados essencialmente na substância.

 Os que fizerem análises razoáveis dos princípios, e usos religiosos.

3º Os que fizerem análises razoáveis da Constituição, não se atacando as suas bases fundamentais; e das Leis existentes, não se provocando a desobediência a elas.

4º Os que censurarem os atos do Governo, e da Pública Administração, em termos, posto que vigorosos, decentes, e comedidos. 

Art. 10. Também não se julgarão criminosos:

1º Os menores de quatorze anos.

 Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos, e neles cometerem o crime.

3º Os que cometerem crimes violentos por força, ou por medo irresistível.

4º Os que cometerem crimes casualmente no exercício, ou prática de qualquer ato lícito, feito com atenção ordinária (BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil).

A definição do que deveria ser julgado como ação criminosa ou não, delimitava as ações e delineava o desenvolvimento da relação entre Estado e sociedade, sendo que o exercício do poder do Estado alcançava legitimidade por meio da administração dos legalismos/ilegalismos. Os usos da justiça, nesse contexto, foram delimitados a partir de um aparato legal, sendo o Código do Processo Criminal de 1832

  • responsável pela organização judiciária no Brasil, 
  • contribuindo para a sistematização do poder diante do conjunto da população(BRASIL. Código do Processo Criminal do Império de 1832).

Também nesse contexto de definição das limitações, durante a Regência Trina Permanente1, o Ato Adicional de 1834, lei nº 16 de doze de agosto de 1834 (BRASIL. Ato Adicional de 1834) fez alterações e adições a Constituição de 1824, instituindo-se como uma das ferramentas necessárias ao Estado Nacional para manter sobre seu domínio o monopólio do poder de punir, haja vista que tanto a Constituição de 1824, o Código Criminal de 1830, o Código do Processo de 1832, o Ato Adicional de 1834, assim como os Códigos de Posturas Municipais, os Termos de Bem viver, os Regulamentos e outras leis, representavam a autoridade soberana do Estado seja em sua esfera nacional ou provincial e local, haja vista que a intenção era edificar a ordem centralizada legitimando o aparato estatal. 

Com as mudanças institucionais causadas pela Independência, houve a ocorrência de diversas alterações normativas e punitivas. Foi, sobretudo, na primeira metade daquele século que houve a regulamentação de novos mecanismos de administração da justiça, que estabeleceram as formas de controle social e a condução da justiça que apresentavam o interesse em construir o novo país através de mecanismos civilizatórios e, para que este objetivo fosse alcançado, foi necessário seguir algumas propostas europeias [sic] no campo do direito penal, que desde o século XVIII já vinha sendo modificadas através de uma reforma nas bases do pensamento jurídico-penal.

Grande parte dos homens que participaram do processo de emancipação política brasileira tiveram em comum sua formação na Universidade de Coimbra. Essa geração foi responsável por implementar no Brasil as bases do chamadodireito penal moderno‟ ou “liberal‟. Os “egressos‟ de Coimbra contribuíram para a transformação de um conjunto fundamental de ideias [sic] e práticas; 

  • eles foram responsáveis não só pela estruturação do Poder Judiciário no Brasil, mas também, 
  • pela revisão do modelo penal utilizado até então.

Foram esses homens que discutiram propostas iluministas recorrentes na Europa moldando-as à realidade de um país em construção (NORONHA, 2004. p. 03. grifo da autora). Foi no período que corresponde à Regência, que ocorreram os maiores confrontos, assim como o desenvolvimento da participação na vida pública de membros da elite que provinham tanto do grande comércio, do alto escalão militar e das grandes propriedades, entre outros grupos que vieram a compor o cenário político brasileiro que estava em tempo de elaboração das bandeiras de luta, a serem desenvolvidas para a nova fase política do Império brasileiro.

No âmbito jurídico, especialmente nos anos 30, a inovações na legislação em função do Código Criminal do Império de 1830 e o Código do Processo Criminal de 1832, proporcionaram acirrados debates, pois ambos foram elaborados para se estabelecerem como instrumentos de ordenamento da sociedade através das determinações jurídicas, especialmente em observância ao comando da Constituição Imperial, em seu art. 179, § 18, constavam a exigência de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade” (BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil - 25 de março de 1824).

A partir dessa premissa, os dois primeiros Códigos aprovados foram

  • Código Criminal do Império do Brasil promulgado no ano de 1830, mas que vigorou, só a partir de oito de janeiro de 1831; 
  • e o Código do Processo Criminal de 1832, de vinte e nove de dezembro de 1832 que definiam quais ações seriam consideradas criminosas.

A partir disso, instituiu-se um sistema de organização da sociedade, através de uma legislação que pretendia estabelecer a disciplina através da penalização dos crimes cometidos.  Por se tratar de um período em que o Império brasileiro estava em formação, houve a erupção de um conjunto de determinações legais e também o sistema de regulamentos que pretendiam gerir a vida dos cidadãos, com a finalidade de impedir a ocorrência de atitudes indesejadas. O sistema de legalidade e regulamentos que se formou nesse período aspirava precaver-se das ações consideradas criminosas que poderiam trazer mal-estar a sociedade e também ao governo imperial.

Notadamente, os códigos representavam um sistema voltado para a tentativa de controle sobre o acontecimento eventual e, principalmente, a divisão entre o permitido e o proibido. Os primeiros momentos da história do Império foram conduzidos à estruturação dos espaços, o controle do território e, principalmente, a administração das condutas, através da legislação.  Distribuindo seus tentáculos sob o Brasil, o governo, por meio da Regência, pretendia vigiar e, principalmente, administrar as diferentes regiões do Império, estabelecendo a organização de um olhar dominante, que nas palavras de Ilmar Rohloff de Mattos se desenvolveu como a:

 “[…] força de um olhar vigilante, dominador e dirigente […] proporcional à capacidade de forjar o que se entende por público, de delimitar um espaço correspondente ao da área da Corte no interior do privado” (MATTOS, 2004. p. 222). 

Enfim, a elaboração desse sistema punitivo se estabelecia também, com o propósito de promover maior controle e vigilância, haja vista que “nesse contexto, as elites políticas, em especial a elite política da Corte, centro da direção nacional, precisavam de expedientes para vigiar e criminalizar os atos políticos e cotidianos da população” (ALBUQUERQUE NETO, 2008, p. 05).

O CÓDIGO DO PROCESSO CRIMINAL DE 1832 E A DESCENTRALIZAÇÃO DA JUSTIÇA.

Na década seguinte a Independência do Brasil, ocorreu uma reformulação do sistema judiciário operante no país, estabelecendo-se novas bases amparadas na legislação liberal de caráter descentralizador, através desses novos princípios estruturadores, entraram em cena, no cenário jurídico do país, figuras como os juízes de paz e o tribunal do júri, que foram os principais responsáveis pela descentralização do setor jurídico(KOERNER, 1998, p. 34).

A reforma do judiciário ampliou-se a partir da promulgação do Código do Processo Criminal em vinte e nove de novembro de 1832, uma vez que esse código estabelecia as disposições preliminares destinadas aos cargos envolvidos com a administração da Justiça em primeira instância no país. Partindo desta data o aparelho judicial brasileiro passou a tomar forma especialmente pelas atribuições dadas: 

  • aos juízes de paz,  
  • ao juiz municipal e, 
  • ao juiz de direito na primeira instância.

No artigo 12, inciso 2º do Código do Processo Criminal, se previa a atribuição de competências ao juiz de paz, figura central na descentralização do judiciário nos anos trinta do século XIX, entre suas atribuições estava: 

  • obrigar aos vadios, mendigos, bêbados, prostitutas, que eram considerados perturbadores do sossego público a assinar o termo de bem viver, 
  • que se tratava de um instrumento punitivo que visava o controle sob os sujeitos considerados turbulentos, que por palavras ou por ações viriam a ofender os bons costumes e a tranquilidade da vida pública, 
  • esse era um dos dispositivos, presente no Código de 1830, que contribuía para controlar as ações dos cidadãos.

Ainda estava firmado que o juiz de paz se encarregaria de iniciar a ação penal, ouvir as testemunhas, proceder ao auto de corpo de delito, e julgar as contravenções as Posturas Municipais, entre outras coisas(BRASIL. Código do Processo Criminal do Império de 1832).  Em sua estrutura, o Código do Processo Criminal de 1832, distinguia a maneira pela qual deveriam ser conduzidos os procedimentos relativos às investigações dos crimes públicos e particulares. Os crimes públicos delegavam a ação penal ao promotor público ou até mesmo ao cidadão, como previsto, entre os crimes destacados nessa seção estavam incluídos os crimes políticos.

De certa maneira, o Código do Processo, previa em sua estrutura, as competências relativas à administração da justiça, sendo, nesse sentido, que a prática jurídica passava a ser dividida em distrito de paz, em termos e comarcas; seguindo uma hierarquia, os distritos eram delegados aos juízes de paz, os termos aos promotores públicos, que atuavam em companhia de um juiz municipal, um conselho de jurados, um escrivão das execuções e demais oficiais; já às comarcas eram designados os juízes de direito.

O Código do Processo ainda estabelecia os procedimentos destinados a um processo criminal, formalizando a maneira pela qual se deveriam apresentar as queixas para que a prisão fosse efetuada e o transgressor pudesse ser indiciado. Nas palavras de Oswaldo Machado Filho, este código 

especificava, ainda, a forma como os julgamentos deveriam ser conduzidos e os passos para a apelação”,

ainda se apresentavam as garantias aos indivíduos, que por alguma razão havia contravertido a ordem, entre elas: 

. revista, apenas com mandado judicial;

2º. prisão, somente com mandado ou flagrante;

. o direito a habeas corpus;

 julgamento em tribunais abertos e com acareação de testemunhas”(MACHADO FILHO, 2006, p. 215).

De certa maneira, essas garantias visavam à proteção da liberdade de ir e vir, sendo que o habeas corpus passou a ser o meio jurídico essencial para esse fim. Convém destacar que os anos trinta do século XIX, marcaram o desenvolvimento do experimento liberal, que realizou a descentralização da máquina judiciária do país, dessa forma, teve-se o crescimento de uma estrutura que passou a privilegiar o poder local das províncias, o que significava um corte significativo no processo centralizador vivido nos primeiros anos do Império.

A publicação do Código Criminal do Império de 1830 e do Código do Processo Criminal em 1832 representou ainda

  • a solidificação do aparelho jurídico-penal do país,
  • contribuindo para o incremento de instituições coercitivas que proporcionariam maior controle sob os cidadãos no âmbito dos ilegalismos;
  • no entanto, as críticas a este processo descentralizador se estenderam por diversos debates, 
  • Fatos estes que ocasionaram conflitos entre liberais e conservadores no âmbito político do país.

 

ROBERTO  COSTA  FERREIRA

 PROFESSOR  -  PSICANALISTA  -  PESQUISADOR

HILASA- Inst. História Letras Artes S. Amaro

UNIFESP - Universidade Federal São Paulo


quinta-feira, 9 de novembro de 2023

ELVIRA DO IPIRANGA ... Semi cantora diante de evento internacional ... Pode?

 


Em razão do video posto, que se encontra em minha página no YouTube sob o título Elvira do Ipiranga e consequente postagem em determinado grupo de Whatsapp através querida amiga cujo nome não declino nesta oportunidade, manifestando-se assim:

“ ... e a ELVIRA DO IPIRANGA queria imitar a Whitney ... não precisava se um gênio pra saber que não poderia ter sido contratada uma semi cantora para um evento internacional ... uma vergonha que espero NUNCA SE REPITA ... o responsável deveria ser demitido”.

Emendo à manifestação: Isso não basta. É pouco! Imediato, produzi o texto iniciando com uma pergunta aberta:

“Cabe então uma pergunta: Qual é a mensagem que passa o Hino Nacional? É importante ressaltar que a canção que representa uma nação, como o Hino Nacional do Brasil, exalta fatos acontecidos, simboliza todas as lutas por ela passadas, carrega a identidade de um povo e a grande responsabilidade de ser o porta-voz da Nação brasileira para o restante do mundo”.

Então, quando alguém imbuído de tal responsabilidade, "esquece a letra" ... É de se lamentar! Por decorrência, lembro-me da "retomada da questão cívica" que não para por aí... Deu pano para manga a sugestão do Governo Federal, de então, para que as escolas voltassem a hastear a bandeira e executar o hino nacional uma vez por semana. Na prática, era o retorno da hora cívica.  

Educadores, políticos, escritores e jornalistas emitiram opiniões calorosas favoráveis e contrárias ao Decreto 4.853/2003. Na época, como dito - 2003 - a orientação passou muito longe de se consolidar de forma significativa no sistema educacional do país, exceto em alguns casos noticiados pela imprensa oficial (MEC, 2003:58-59).  

Tal como os relatos da então professora Maria Helena Lobo, da Escola Municipal Mansões Coimbra, no município de Águas Lindas de Goiás (Idem:58), dizendo:

 Muitas crianças e mesmo adultos não têm o devido respeito pela bandeira e sequer sabem cantar o nosso belo hino. Isso tem que mudar.”;

também, da professora Mirian Chaves Carneiro (Idem:59), da Fundação Penniah, em Belo Horizonte:

 Houve época em que usar roupa com a figura da bandeira era considerado crime. Hoje é motivo de orgulho durante a copa do mundo, mas por que só durante a Copa?”;

e da professora Vânia Almeida de Abreu, da Escola de Ensino Fundamental Darcy Ribeiro, de Paranoá, Cidade Satélite do Distrito Federal:

 “Quem não se emociona quando, num evento como as olimpíadas, por exemplo, se canta o hino diante da bandeira nacional? No meu tempo de estudante, hastear a bandeira era uma honra, era motivo de orgulho para a gente. Acho muito legal "continuar a se cultivar essa postura cívica”.

De todo modo, mesmo não sendo possível analisar a extensão prática do Decreto, o fato é que a preocupação com as representações nacionais não constituía ato isolado do Governo Federal. Em 2004, parte considerável do “câmbio certo da vida” econômica, comercial e financeira do Brasil reuniu-se em torno do resgate da autoestima do brasileiro.  A inspiração foi buscada em Câmara Cascudo:

 O melhor do Brasil é o brasileiro”.

Coordenadas pela Associação Brasileira de Anunciantes, empresas de capital privado e empresas públicas federais assumiram o compromisso de apoiar o movimento. A declaração do então presidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) ilustra bem o estado de espírito que levou parcela considerável do “PIB nacional” a apoiar a campanha (LOPES, 2004):


“... sabemos que nossos negócios - sejam dos meios de comunicação, dos serviços publicitários ou das marcas das empresas anunciantes - só poderão crescer de forma contínua e sustentada se a população brasileira finalmente passar a ter a autoestima que merece e precisa ter.”

Assim, em 19 de julho de 2004, Alpargatas, Ford, Bradesco, Pão de Açúcar, Telecom Itália, Unilever, Friboi e Golden Cross; Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e Petrobrás aplaudiam o discurso de Orlando Lopes, presidente da ABA, durante o lançamento da oficial da campanha. E, naquela ocasião, repito - 2004 - explicou o conferencista que:


“[…] Este é um acontecimento histórico para todo o Brasil, pois estamos nos reunindo em torno da consciência de que nosso País não pode mais ter vergonha de si mesmo, que nossa gente não pode mais deixar de sentir orgulho pelo que já somos e podemos ser”. 

O movimento proposto foi inspirado por diversas pesquisas e encontrou na obra de Câmara Cascudo uma frase síntese: "o melhor produto do Brasil é o brasileiro"!

Nossa proposta, disse o dirigente, “dirigida a toda a Nação, teve como objetivo resgatar os níveis de autoestima da nossa população, que estava em baixa, e, aproveitando esse empuxo, elevar seu patamar histórico, que nunca foi muito alto - com raras exceções, como em momentos de grandes conquistas esportivas”. Elencou ainda que:

 "... não podemos ter a ilusão de que uma campanha publicitária, ou até mesmo um esforço mais amplo, temporário, será capaz de reverter este fator cultural histórico. Precisamos ter consciência e nos organizarmos para desenvolver um esforço o mais amplo possível e de caráter permanente, que se espalhe através de todas as vozes com responsabilidade cívica da Nação".

Tal Campanha, lembro, correu os quatro cantos do Brasil, tendo nas inserções televisivas o instrumento de maior visibilidade. Nessas inserções, viam-se exemplos de personalidades e anônimos protagonistas brasileiros que “deram a volta por cima”: 

  • dos esportes, houve a participação do jogador Ronaldo
  • no campo musical, do músico Herbert Vianna
  • ao lado do ex-interno da extinta  Febem, Roberto Carlos Ramos, hoje pedagogo e contador de histórias, 
  • e da ex-moradora de rua e hoje historiadora, Maria José Bezerra.

A ideia consistia em enfatizar a determinação e coragem de brasileiros exemplares que, acometidos até por problemas sociais, dramas familiares, crises profissionais e acidentes traumáticos, souberam e conseguiram dar a volta por cima.

O esforço pessoal tornou-se sinônimo de “ser brasileiro com muito orgulho e com muito amor”, para lembrar o refrão cantado pelos torcedores da seleção brasileira de vôlei masculino de então e que ganhou arquibancadas dos estádios de futebol, salas de TV, home teathers, bares, restaurantes e botequins em geral, pontos de concentração obrigatórios em jogos da Copa. Havia sempre a expectativa de o Brasil conquistar o hexa ...

E, já que estamos falando de futebol, não custa nada lembrar que, desde 2001, vigora no Estado de São Paulo a lei nº 10.876, de 10 de setembro de 2001, obrigando à execução do Hino Nacional antes do início de qualquer partida do Campeonato Paulista de Futebol.  

Chegando à seara dos impressos escolares, é preciso lembrar que, em 2003, o Plano Nacional do Livro Didático fechava com 915,2 milhões de unidades de livros adquiridos desde 1994 – livros de matemática, geografia, ciências, história, língua portuguesa e de todas as demais disciplinas constantes na grande curricular do sistema público de ensino.

Por isso mesmo os livros de OSPB e EMC ficaram  fora do cômputo geral - a disciplina fora extinta um ano antes. Autores diversos, editoras diferentes e milhares de comunidades leitoras mantinham em comum, porém o mesmo comprador é o mesmo agente de distribuição: o Estado Nacional de então. Assim, apesar da infinita diversidade que apresentam entre si, na oportunidade, os 900 milhões de livros didáticos distribuídos pelo governo fixavam (e ainda hoje fixam, creio), na contracapa,  a mesma mensagem: o Hino Nacional Brasileiro.  

Por oportuno, lembro que, naquele ano, trabalhando com crianças, jovens e adultos de uma escola pública periférica em São Paulo, mesmo palestrando,  introduzia-se o tema “Proclamação da República” com a execução do Hino Nacional, enquanto os alunos acompanhavam a letra na "contracapa de qualquer livro didático que portassem" nas mochilas, embora as aulas fossem até de história. Depois, à luz do texto ‘Bandeira e Hino: o peso da tradição’, de José Murilo de Carvalho, tentávamos entender os sentidos históricos dos versos de Joaquim Osório Duque Estrada 

A discussão desaguava, inevitavelmente, na Bandeira Nacional e na conversa em torno da velha pergunta: Professor, as cores representam as belezas naturais e as riquezas do Brasil?

Naquela oportunidade, "as cores já e ainda importavam" ... Atualmente, vivemos "num tempo de desbotamento ..." Tal “desbotamento” do título refere-se às nossas memórias ...  Trata-se de um fenômeno inclusive de cunho psicológico que ocorre com a maioria predominante pessoas... Tendem- se a esquecer com maior facilidade de eventos que geraram emoções negativas, enquanto nutrem-se aquelas lembranças associadas às outras emoções, algumas até positivas. Isto leva em inglês o acrônimo "FAB", de Fading Affect Bias.  

Sob tal circunstância, "de esquecimento", de perder a memória ... Mesmo perder a vivacidade, o brilho ou o contraste de uma cor; do esmaecer, desvanecer-se, descorar-se: não adiantando a roupa bonita, "o apelo midiático da representação pretendida" (lamentável); o pano desbota facilmente! Tal qual a prolongada seca que desbota a folhagem; ou, a camisa que se debota com o tempo e uso constante!

Tudo muito lamentável, ínfimo,  para um evento de proporções macroscópicas, que se relativiza à observação das coisas grandes!

 Roberto Costa Ferreira, 06 de novembro de 2023

HILASA – Instituto de História, Letras e Artes

SANTO AMARO – SÃO PAULO / SP 

domingo, 15 de outubro de 2023

PROFESSOR - O papel na atualidade ... Repleto de Dificuldade – Facilitadores da aprendizagem!

 

Cada vez mais, professores assumem o papel de facilitadores da aprendizagem!

Ao longo de muitas e muitas décadas, as instituições de ensino (da educação básica à superior) eram consideradas verdadeiros templos do conhecimento, e seus professores os mestres detentores de tudo aquilo que era realmente importante de ser levado para a vida. Entretanto, nos últimos anos, com as revoluções tecnológicas, esse cenário vem se alterando profundamente. A escola ou a faculdade não são mais os únicos lugares onde é possível aprender: o conhecimento está em toda parte, e foi democratizado principalmente por meio da internet.

Com isso, se antes o professor era o principal transmissor do conhecimento, atualmente ele vem assumindo papéis e funções diferentes – e não menos importantes! Pelo contrário:

       · o papel do professor, na atualidade, está muito mais associado à mediação do processo de construção autônoma do conhecimento por parte dos estudantes, 

          · o que muda o jogo para muitos docentes e, 

          · faz com que eles trabalhem com muito mais dinamismo do que antes.

Entenderemos melhor qual é esse novo papel, quais são seus desafios e quais são as competências necessárias para desempenhá-lo em face dessa atualidade, desde que se mantenha atualizado, diante dos  desafios do mundo contemporâneo para a sua prática docente!

Antes de refletir a respeito dos novos papéis que o professor desempenha hoje, vale discutir os desafios contemporâneos para a prática docente como um todo. Por princípio, é necessário pontuar que, embora os alunos (e suas necessidades) estejam em processo de constante e rápida evolução nas últimas décadas, nem sempre as práticas pedagógicas e as instituições de ensino os acompanham com a mesma rapidez e dinamismo.

Escolas, faculdades e universidades vêm preparando seus estudantes considerando habilidades e competências que seriam úteis nos dias de ontem ... Quando melhor, os preparam para os dias de hoje – o que também não é interessante. Estudantes devem ser preparados para a transição entre o hoje e o amanhã e para o próprio amanhã, ainda que este seja incerto e passível de mudanças, justamente porque é nesse espaço em que exercerão sua cidadania e se tornarão profissionais capazes de melhorar a sociedade.

Para fazer essa mudança, é fundamental entender os desafios que se colocam à frente das IES – Instituições de Ensino Superior (ditas unidades autônomas que oferecem serviços de educação superior, como graduação, pós-graduação e extensão) e dos docentes. Observe adiante:

1. Alunos da geração Z (em maioria);

Em sua maioria, os estudantes das IES são da geração Z, isto é, geração dos nascidos a partir do fim da década de 1990 do século 20. Eles são nativos digitais, ou seja, nasceram e cresceram com tecnologia acessível como parte de seu cotidiano e, por isso, estão permanentemente conectados. Com isso, práticas pedagógicas mais antigas, que desconsideram completamente o uso de tecnologias digitais, têm mais probabilidade de gerar desinteresse nesses alunos. O uso constante de smartphones e redes sociais traz muitos estímulos diferentes que disputam a atenção do estudante, e é necessário refletir a respeito de como utilizar esses recursos a favor das práticas pedagógicas.

2. Adaptação a metodologias novas e engajantes;

Também pela mudança de perfil dos estudantes, um dos grandes desafios à prática docente contemporânea é a adaptação a novas metodologias, que engajem os estudantes e proporcionem experiências de aprendizagem suficientes para o desenvolvimento de habilidades e competências pertinentes às novas realidades. Essas novas metodologias devem levar em consideração, por exemplo, as necessidades de aprendizagem particulares de cada aluno, possibilitando que cada um possa desenvolver seu próprio caminho de aquisição de conhecimento. Assim, é necessário romper com metodologias e práticas ultrapassadas, que já não motivam e não fazem sentido nos tempos atuais.

3. Motivação de docentes;

Além dos desafios dentro da sala de aula, na relação entre professor e aluno, há também um desafio relacionado à motivação do próprio docente. Tantas adaptações a serem feitas requerem um esforço contínuo, e é imprescindível que os professores se sintam motivados durante esse processo. Há uma tendência na sociedade recente de diminuir – e até contrapor – o valor da profissão docente, o que se traduz em exaustivas cargas de trabalho, baixos reajustes salariais, entre outros. Com isso, um dos grandes desafios das IES é reverter esse processo.

O papel do professor na atualidade

Os desafios para a prática docente discutidos acima dizem respeito, sobretudo, à dinâmica que se estabeleceu no mundo contemporâneo – regido, principalmente, pelas relações que se dão a partir da tecnologia. Nesse mundo, a instituição de ensino deixa de ocupar seu papel de templo absoluto do conhecimento e passa a se tornar um dos espaços onde é possível construí-lo!

Não é necessário ir muito longe para entender o porquê: basta alguns poucos toques dos dedos em um smartphone ou computador para acessarmos infinitas fontes de conhecimento, como livros, videoaulas, tutoriais, entre muitos outros. Com isso, se antes o docente era mestre, detentor e transmissor do conhecimento, hoje a relação se modifica

           · o papel do professor na atualidade é o de mediador do conhecimento, 

         · aquele que acompanha e orienta seu estudante no próprio processo de aprendizagem.

Esse papel se desdobra em um tripé que pode ser considerado a base da atuação do professor com seus alunos. Veja como: 

         Ø  Facilitar a aprendizagem;

A primeira “perna” do tripé é a facilitação da aprendizagem. Com isso, quero dizer que o professor deve ter a habilidade de mediar, facilitar o processo de aquisição do conhecimento do estudante, muito mais do que apenas transmitir o que já sabe. Facilitar está relacionado a estimular o estudante, criar oportunidades que o permitam construir seu caminho diante do conhecimento. Também está relacionado à criação de experiências de ensino que favoreçam a consolidação do conhecimento por meio da aprendizagem significativa – isto é, quando a aprendizagem ocorre baseada em conhecimentos prévios do estudante, expandindo seu repertório e ressignificando o que ele já sabe. Como estudantes conseguem acessar todo tipo de conteúdo com muita facilidade, torna-se papel do professor auxiliá-lo a entender o que fazer com todo esse material disponível. 

          Ø  Desenvolver habilidades e competências;

Vimos que é importante que as instituições de ensino preparem o estudante para o futuro, considerando habilidades e competências que os tornarão cidadãos atuantes e bons profissionais. Com isso, é imprescindível considerar que um dos papéis do professor na atualidade é, justamente, promover experiências que possibilitem que o estudante desenvolva essas habilidades. Entre as habilidades mais exigidas pelo mercado e pelas empresas estão:

§  empatia, flexibilidade e capacidade de autogerenciamento,

§  colaboração em equipes, valores éticos, senso forte de cidadania e justiça social, entre outros.

Assim, além de facilitar o conhecimento, é fundamental que docente e IES estimulem o fortalecimento dessas competências nos futuros profissionais que estão formando. 

          Ø  Ensinar a conviver;

Uma das funções basilares de toda instituição de ensino, desde a pré-escola até as faculdades e universidades, é justamente ensinar a conviver. Esse é um dos pilares que se mantém firme também na perspectiva do educador:

§  além de facilitar a aprendizagem e de promover o desenvolvimento de habilidades para o exercício da cidadania e do trabalho,

§  é papel dele estimular o convívio saudável,

§  a construção da cidadania em si e do pensamento crítico.

As competências necessárias para ser professor na atualidade

Vimos que todas as transformações pelas quais o mundo passou nas últimas décadas tornam necessária uma mudança profunda nas práticas pedagógicas, no papel do professor e na relação professor-aluno. Entretanto, nada disso é possível sem uma grande e constante preparação do docente – em outras palavras, a formação continuada e superiormente possibilitada. Conforme escreveu o célebre educador Jean Piaget:

“... a preparação dos professores constitui a questão primordial de todas as reformas pedagógicas, pois enquanto ela não for resolvida de forma satisfatória, será totalmente inútil organizar belos programas ou construir belas teorias a respeito do que deveria ser realizado”.

Portanto, da mesma maneira que o papel do professor na atualidade é, entre outros, ajudar a formar competências para o futuro, para que ele consiga desempenhá-lo, ele mesmo deve procurar desenvolver algumas habilidades. Penso então, quais são as principais:

1. Criatividade e inovação;

Conseguir inovar e usar da própria criatividade (e de recursos criativos) constantemente é um dos grandes diferenciais dos professores preparados para lidar com o mundo contemporâneo. No caso, inovação e criatividade estão associados a conseguir se adaptar ao ritmo dos jovens estudantes da geração Z, que têm seu próprio ritmo e exigem estímulos muito mais dinâmicos do que os que se estabeleciam no formato tradicional de transmissão de conhecimento. Agora, muito mais do que isso:

§   é necessário construir espaços seguros de construção do saber,

§  o que exige capacidades de criar e inovar por parte do docente.

O uso de metodologias significativas, que coloquem o estudante no centro do processo de aprendizagem (como condutor e protagonista dele), é uma parte desse percurso. Além disso, incorporar de maneira inteligente a tecnologia em sala de aula (muito mais do que simplesmente bani-la ou restringi-la, como é a tendência dos modelos tradicionais) pode ser um dos grandes diferenciais para que estudantes se mantenham engajados e tenham qualidade no próprio aprendizado.

2. Estímulo ao pensamento crítico;

Uma educação que preza pelo desenvolvimento de habilidades como autonomia passa necessariamente pelo estímulo ao pensamento crítico, isto é, estímulo ao pensamento que reflete, analisa e critica, de forma responsável, todas as informações e opiniões com as quais se depara. Diante de um oceano de informações que parece infinito, uma das habilidades fundamentais para o professor voltado ao futuro não é mais apenas buscar transmitir o conhecimento “certo”, e sim, auxiliar seus alunos a construir parâmetros e critérios robustos que os permitam “navegar” por esse oceano, sem cair em informações falsas ou deturpadas. Pelo contrário:

§  o estudante deve ter autonomia suficiente para não apenas reproduzir conteúdos de forma automática,

§  e sim consumi-los com consciência. 

Com isso, essa autonomia bem construída que leva ao pensamento crítico pode tornar seus estudantes pessoas que têm boa capacidade de tomar decisões, que sabem atuar de maneira cidadã, detentor de consciência cidadã!

3. Letramento tecnológico e curadoria de conteúdo;

Como as necessidades relacionadas ao dinamismo das novas gerações estão intimamente vinculadas ao uso das tecnologias, é importante que o professor desenvolva seu próprio letramento tecnológico, que possibilite que ele consiga utilizar as tecnologias em sala de aula com autonomia e da maneira correta para engajar os estudantes. No momento que vivemos, não dá mais para desassociar completamente as experiências de aprendizagem do uso dos recursos digitais, por isso a necessidade. Além disso, o bom letramento tecnológico do professor também o ajuda a realizar uma curadoria de conteúdo de aula mais eficiente, possibilitando:

§  que engaje e se conecte melhor com seus alunos,

§   fortalecendo a aprendizagem significativa.

4. Empatia;

Essa é uma habilidade essencial para qualquer pessoa que viva em sociedade no mundo contemporâneo. Desenvolver a empatia é fundamental para que o professor desenvolva um senso de profundo respeito e parceria com seus estudantes, entendendo suas facilidades e dificuldades, suas aspirações e limitações. Saber se colocar no lugar do aluno, mesmo que ele seja de uma geração muito diferente da sua, é essencial para o desempenho do papel do professor na atualidade.

Destaco que, à luz do acima exposto, compreender melhor os desafios e as habilidades necessárias para desempenhar o papel do professor na atualidade, em meio às complexas relações contemporâneas me põe em regime de expectativa ... Pois que, durante o nosso cotidiano, é possível que nos remetemos a pensar e dizer que:

... o tempo é a chave para a superação de determinados acontecimentos em nossas vidas“.

Posso afirmar que de uma forma, ou de outra,  já me deparei com expressões do gênero: “tudo é questão de tempo”; “o tempo cura tudo” ou ainda “só o tempo vai dizer...”. O sentido que  toma tais expressões, precede-se que a pessoa acredita que o tempo possa proporcionar mudanças em relação ao fato que ocorreu e, que estas aconteçam de forma positivas. Ora, estas estão devidamente ligadas ao senso comum, mas que no entanto direcionam para uma reflexão de caráter teórico e filosófico.

Trago comigo então pares de paralela jornada, visto que filósofos como Santo Agostinho: o amante dos prazeres que, convertido, se tornou doutor da Igreja Católica (354-430, também escritor, teólogo e bispo), Aristóteles (nascido na Macedônia, em 384 a.C.) foi um dos três grandes filósofos da Grécia Antiga, tendo convivido com Platão e, ao que se sabe, em sua juventude teve uma sólida formação em ciências e que esta influenciou em muito sua produção filosófica, ou até mesmo historiadores como Krzystof Pomiam (nascido em Varsóvia, Polônia, em 25 de janeiro de 1934 – 89 anos), igualmente filósofo, historiador e ensaísta polonês, também professor de história, e que, em 2001 dirigiu academicamente o Museu da Europa em Bruxelas, destaco que, todos os referidos já se dedicaram a desvendar o tempo.

Assim, tendo em vista uma definição de tempo, apresento que:

“O objeto que designa a palavra tempo, uma coordenação de mudanças reais ou representadas, realizada por uma instância coordenadora que emite signos ou sinais para esse fim. Não Existe o tempo, tempo no singular. Existem múltiplos tempos. Uma classe de natureza de várias instâncias”.

(POMIAN, 1990)

Portanto, se partimos dessa definição de tempo acima, poderíamos estar dialogando com as expressões mencionadas acima, posto que, esse tempo emerge da mudança, e constitui-se em mudanças, poder-se-á emitir respostas, sinais ... Reside uma expressão correlata: “só o tempo vai dizer”.

Por oportuno, uma célebre passagem, de uma, das letras musicais ditas do cantor Cazuza pode ser apresentada aqui; Cazuza ao compor a música (diz-se) O tempo não para, cuja gravação ocorreu no ano de1988, diz assim:

“O tempo não para/Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes novidades/O tempo não para.”

Como se pode observar, as expressões que fazem referência ao tempo e ao passado, estão presentes no cotidiano das pessoas, que usam destes numa espécie de orientação no contexto em qual estão inseridos, como o presente estudo que proponho. Todavia, cabe aqui questionar, que tempo é este ao qual busco apresentar nestes parágrafos? Estou a falar do tempo em si, ou de uma ideia pedagógica no tempo ... No espaço ... Aliás, como já propuseram, já praticaram e implantaram ... É procedente face ao futuro já compondo o presente ... É procedente?

Destaco que durante os meses de setembro/outubro de 2021 produzi tal estudo que sintetizei com base nas minhas diversas experiências (embutidas competências e habilidades). Imediato encaminhei-o para a série de Educação da então Saraiva – Editora Saraiva, hoje falida, com vistas à possível apreciação de conteúdo e demais avaliações. Até hoje não obtive retorno ... Outros tempos! Então, nesta oportunidade, resgato-o com algumas alterações de edição com vistas às homenagens do Dia do Professor.

Parabéns aos Professores!

Muito dignamente homenageados segundo a Recomendação da UNESCO / OIT sobre o Estatuto dos Professores, em cooperação com OIT – Organização Internacional do Trabalho, numa conferência intergovernamental especial convocada pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (agência especializadas das Nações Unidas (ONU) e realizada em Paris.

Roberto  Costa  Ferreira,  15 de outubro de 2023

HILASA–Instituto de História, Letras e Artes

Santo Amaro – São Paulo/SP