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terça-feira, 16 de maio de 2023

Rita Lee Jones de Carvalho – Personalíssima!

 


Dias antes do Dia das Mães - 08 de Maio de 2023, contando 75 anos de vida - Rita Lee Jones de Carvalho - personalíssima, se foi

Parafrasear nesta expressão a José Blotta Júnior, dito "a elegância no ar", advogado brasileiro, imortalizado entre os brasileiros como "Blota Júnior", que nascido na paulista Ribeirão Bonito em 03 de março de 1920 e morreu em São Paulo no dia 22 de dezembro de 1999, ganhando notoriedade como locutor e apresentador de televisão

 

Formado em Direito, começou no jornalismo na Rádio Bandeirantes como locutor esportivo. Mas foi na Rádio e TV Record que ganhou fama, atuando por 45 anosEle, Blotta Jr. serviu-se do slogan de "A Personalíssima" destinada à originalidade que lhe permitiu destaque nacional, alcançado, naquela época apenas por cantoras do Rio de Janeiro, referindo-se a Isaura Garcia (26/02/1923-30/08/1993).

 

Ao contrário do "poetinha" Vinicius de Moraes que adorava diminutivos, ela ficava brava quando a chamavam de Isaurinha, tornando seu sotaque paulistano do Brás, divisa com a Moóca, ainda mais acentuadoPois bem, sirvo-me do mesmo slogan "A Personalíssima" para, produzindo esta síntese e trazendo à pauta tal expressão, referendar a importância de Rita Lee no cenário nacional com reconhecimento internacional. Não poderia ser menor a alusão histórica! 

 

Desse modo, foi-se agora, mas já houvera ido anteriormente, ainda nesta dimensão existencial ... E irá e retornará sempre, "in memoriam", pois que, reitero, "ela é personalíssima" e, quer queira ou não "está no centro de toda e qualquer reflexão, mesmo comportamental"



Fundamento mais, mesmo em razão do PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA E SUA CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL, bem descrito no item 1 - A pessoa humana como fundamento, medida e fim do direito

 

"No centro do direito encontra-se o ser humano. O fundamento e o fim de todo o direito é o homem, em qualquer de suas representações: homo sapiens ou, mesmo, homo demens; homo faber ou homo ludens; homo socialis, politicusœconomicus, tecnologicus, mediaticus. Vale dizer que todo o direito é feito pelo homem e para o homem, que constitui o valor mais alto de todo o ordenamento jurídico. Sujeito primário e indefectível do direito, *ele é o destinatário final tanto da mais prosaica quanto da mais elevada norma jurídica. Constitui lugar comum a afirmação de que o interesse público ou social deve prevalecer sobre o individual

Mas isso é apenas pensar no homem de forma coletiva. Quando se prioriza um interesse público ou social em detrimento de um interesse individual, supõe-se estar a tutelar, ainda que de forma indireta, o interesse de um número maior de pessoas, ainda que não individualizadas. Assim, seja por que ângulo for, "o ser humano está no centro de toda e qualquer reflexão jus-filosófica". 

* TOBEÑAS, José Castan. Los Derechos de la Personalidad1952, p. 6.

 

Fato que poucos sabem ou lembram-se, quando se foi ... Quando foi expulsa dos Mutantes, em 1972, Rita Lee foi para Londres e foi visitar seu amigo, o cantor e compositor Gilberto Gil. A cidade moderninha e estilosa - um clássico era a cara dela: terra da recém-criada minissaia, do rock, dos Beatles, momento que a passagem na cidade foi marcante e simbólica para ela. A Londres que Gil apresentou à Rita Lee deu muito mais do que ela buscava. Novos amigos, por exemplo. A cidade moderninha e estilosa - um clássico - era a cara de Rita Lee. Terra da recém-criada minissaia e, claro, do rock.

Dos Beatles, que ela amava, Rita contava que "literalmente lambeu a maçaneta da porta" do estúdio da banda - porque John Lennon tinha encostado na maçaneta. Rita viveu na cidade histórias em tese impublicáveis, não para ela: na autobiografia, contou que foi parar no camarim da lendária banda britânica YesDisse que acordou "numa cama rodeada de um monte de outros achados e perdidos humanos”. A viagem mexeu com a cabeça dela!



Rita resultou, neste passamento, mais comentada na Europa do que muita gente que se entende influente, até no cenário político! Isso eu pude comprovar uma vez aqui em trânsito, no alto dos meus 73 anos de vida, já ela somando 75 anos em sua partida. Canais de televisão se expressaram, assistido por mim, em trânsito pela Espanha - Madri/Ibiza de Europa, bem como noticiários de jornal:

  • El País (Espanha) assim se manifestou, virando pauta, segundo minha tradução: 

"Rita Lee, a rainha do rock brasileiro, morre aos 75 anos;

  • Outro jornal, na América do Norte - ABC News (Estados Unidos), em vertida tradução, disse igual: 

"Rita Lee, a rainha do rock brasileiro, morre aos 75 anos"

  • Seguiu também, em igual mensagem: The Derrick (Estados Unidos):

"Rita Lee, a rainha do rock brasileiro, morre aos 75 anos". 

 

Na América do Sul todos os meios jornalísticos se manifestaram ... Em suma, Rita Lee foi assunto na mídia internacional! 


Na Infância habitamos o mesmo bairro - Vila Mariana/SP. e por lá ela permaneceu até 1977. Reforço minhas palavras indo buscar nas notícias da revista mensal sediada nos Estados Unidos - Rolling Stone - que se dedica à música e cultura popular, inclusive, criada em 1967, por Jann Wenner, edição brasileira: 

 

"Rita Lee nasceu em São Paulo, capital, em 31 de dezembro de 1947. Foi levada para um casarão dos anos 1920 construído na Vila Mariana, uma das muitas artérias importantes do coração da cidade, altura da Rua Joaquim Távora ... Foi em um casarão do anos 1920 na referida rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, zona oeste da cidade, que Rita nasceu. É com carinho que ela retratou o imóvel, cujo porão era forrado com fotos de artistas de cinema, e que hoje é sede da Igreja Presbiteriana do Parque Americano. R. Joaquim Távora, 670, Vila Mariana, região sul de São Paulo, neste endereço, receberam-na Charles e Chesa Jones, ditos os paisEle, inglês. Ela, italiana. Uma junção de etnias improvável durante a época, mas feita da mesma maneira. Também esperavam pela bebê Balú e Carú, “afamiliadas" dos Jones, e Mary e Virgínia, as irmãs de sangue, 10 e seis anos mais velhas, respectivamente"

 

A família Jones era uma "típica extensão imigrante da São Paulo pós-guerra". A mãe italiana bastante religiosa e gentil até; o pai norte- americano muito rígido e reservado, criavam as filhas numa mistura de disciplina (quando Charles estava pela casa) e diversão musical (quando ele viajava para pescar e Chesa abria espaço na sala de jantar para uma pista de dança, ou até mesmo o piano de armário para calçada)

 

As três meninas passavam o tempo criando gatinhos escondidos no porão, ensaiando peças de autoria própria num palquinho no jardim, ou deleitando-se nas dezenas de cinemas de rua de São Paulo, naqueles tempos. Ritinha, a mais novinha, amava a figura do Peter Pan e acrescentava, aos devaneios teatrais, histórias sobre a Terra do Nunca e Sininho. Na varanda de casa, declarava para os céus, ter visto Peter Pan uma vez. Ou achou que viu: o pai, aficionado por ficção científica, explicou que as luzinhas dançantes eram nada além de OVNIS

 

Quando tinha cinco anos, Ritinha foi abusada sexualmente. Um técnico de máquinas de costura foi até a casa dos Jones, e a criança brincava no chão enquanto a mãe foi atender o telefone. Voltou para ver a filha com uma chave de fenda introduzida na vagina, sangrando! 

Na autobiografia, Rita Lee admite que não lembra bem do ato do "filho da puta", como se sua memória tivesse sido apagada. Mas as mulheres da casa sentiram toda a dor da perda por ela. Fizeram-na jurar não contar para o pai, pois ele provavelmente mataria o técnico. Como recompensa, compraram o álbum de figurinhas do Peter Pan que ela o preservou

 

Para Rita, a tragédia fez com que as adultas passassem a fazer vista grossa para as malcriações e atitudes mal pensadas dela. Não levava tapas quando criança (ao contrário das irmãs) e todos os problemas da vida adulta, como escapadas, drogas, brigas... Muito em decorrência e por causa "da dor que ela carregava na alma” por causa 'daquilo.' 

 

Como uma típica criança paulistana, Rita Lee também passava as férias no Guarujá/SP. O pai comprou um apartamento por lá, e como ele quase nunca estava nas viagens, sobrava liberdade para as meninasA caçula bandeava-se com os meninos da rua e ia cometer pequenos delitos - hábito que levou para São Paulo. Hora com os vizinhos, hora com a irmã Virgínia, Ritinha amava pregar peças e "causar" pela Vila Mariana. Mas sentia-se um menino perdido, fazia birra pro banho e cantava paródias infantis (de crianças de boca suja).

 

Também no Guarujá, as meninas Jones amavam "espiar" as glamourosas festas do Gran Cassino. Eram fissuradas pela fama e por todo o luxo e charme das celebridades cinquentonas. Deleitavam-se ouvindo do pai dentista as histórias dos famosos pacientes, e usavam o porão da casa em São Paulo como santuário: nas paredes, penduravam fotos de artistas, recortes de revistas, e até um guardanapo (presente de Charles) no qual Maysa Matarazzo limpou o batom antes de um tratamento dentário

Mas a verdadeira paixão de Rita Lee (dividida com a irmã Virgínia, claro) era James Dean. Sonhou com ele aos oito anos, e não mais o esqueceu. Colecionava recortes brasileiros e gringos sobre o astro, tinha pôsteres e álbuns. Até a vida adulta, depois dos Mutantes e Tutti Frutti, a estrela mantinha pôsteres de James Dean nas paredes do quarto. Era amor! 

 


Rita Lee desde pequena herdou roupas de primos - ao passo que as irmãs, mais sortudas, eram pouco menores que algumas primas. Um dia, Chesa ouviu dizer que cabelos compridos impediam o crescimento da criança, e cortou as madeixas da filha bem curtinhas. Virgínia e Mary a apelidaram de "Rito", o menino baiano. Foi com esse “cortezinho” que a menina foi para o sítio da tia, no interior de São Paulo, ela cuidava das galinhas, arrumava o jardim, e brincava para lá e para cá. Foi quando percebeu a "central de açúcar" do lugar. Caldo de cana, melaço e... Pinga!

 

"Assim aconteceu meu primeiro mega porre e um cartão vermelho para "tirar do time de campo da fazenda". 'Oh my God! O defeito da Ritinha é não saber onde parar', profetizou tia Mary." A menina amou o Fundamental I. Sentia na escola uma liberdade que o pai não dava. Mas foi entrar no Fundamental Il para mudar de opinião. Papeava o tempo todo, e era detestada por alguns professoresUm pouco mais velha, causava de verdade: fumava nos banheiros, fazia xixi nos sapatos das meninas, ameaçava bater nos outros. Até tacou fogo no cenário de uma peça pois não foi escolhida como protagonista! Compensava tudo sendo ótima nos esportes, porém

 

Quando se formou no colégio, Rita tentou ser secretária. Não deu certo - derrubou café em vários documentos importantes.. Decidiu voltar a estudar, então, e começou a cursar Comunicação da USP. Nunca terminou pois outro aspecto chamou atenção: a música. (Nessa época, marco importante de Rita Lee, ganhou a filhotinha Danny, a primeira cachorrinha da vida dela)

Como Charles, seu pai, falava inglês e era dentista de vários artistas e famosos estrangeiros, tratando, entre outros ilustres, Magdalena Tagliaferro, excelente pianista, o doutor sugeriu uma troca: o tratamento por aulas de piano para a filha mais nova. Ela topou. Apesar de descrente inicialmente, viu em Ritinha um talento, e elogiou o progresso rápido que ela teve

 

A pianista estava impressionada, e convidou a menina, então com seis anos, para uma audição na escola Tagliaferro. Emocionada, Chesa costurou para ela um vestido cor-de-rosa cheio de babados, e a família foi assistir a pequena. Mas Rita sentiu-se bastante nervosa quando viu a plateia. Subiu ao palco, sentou- se no banquinho para apresentar-se e... Fez xixi! Medo de palcodiagnosticou a pianista profissional. Não recomendou um futuro na música.

 

Demorou alguns anos para Rita Lee pensar em música de novo. Começou, na adolescência, a fazer o backing vocal do Tulio Trio, pianista que imitava Ray Charles no auditório da Folha de S. Paulo. Ele morreu num acidente. Mas Rita queria continuar, e formou o primeiro grupo musical da vida: as Teenage Singers: Jean Ellen no teclado, Beatrice no baixo, Suely na guitarra, Rita Lee na bateria. Cantavam bem, tocavam mal... E vejam no que resultou, para o bem de quem a viu, conheceu, conviveu e ou apreciou ... A "Cacilda Becker do Rock," definida por Glauber Rocha, segundo contou ela no livro! 

 

Rita Lee deu o primeiro passo, também, numa das suas manias mais encantadoras da carreira: as roupas. Naquele dia, na TV Bandeirantes, no programa Quadrado e Redondo, embora quisesse se vestir de Cleópatrausou uma roupa à Pocahontas... "Foi a partir de então," escreveu Rita:

que aceitei me transformar em para raio de freaks, porto seguro dos “rebeldinhos sem causa”, musa dos perdidos numa noite suja da Pauliceia [...] O importante era não me levar à sério. Eu seria apenas mais uma impostora [entre os artistas]. Só que mais esquisitinha”. 

 

Lá pelos idos de 1975 tive a oportunidade de estar presente num momento de sua vida, situação que conheci “uns caras” de uma banda chamada Lisergia. Eram eles: Luis Sérgio que tocava guitarra, Emilson Colantonio bateria e Lee Marcucci no baixo. Junto, estava presente uma moça, que se dizia empresária: Mônica Lisboa e estavam num ensaio onde surgiu também Antônio Bivar, então escritor e dramaturgo, devendo ter uns 35 anos na oportunidade, no porão "fedorento" do teatro Ruth Escobar. Bivar sugeriu então um nome pro grupo, surgindo então Tutti Frutti que depois prevaleceu “Rita Lee & Tutti Frutti". O público que assistia às apresentações iam ao delírio quando Rita cantava. Recebeu ela, pela primeira vez, aplausos sinceros! 



Ela que viveu na Vila Mariana até 1977, momento de assinatura do divórcio resultado do casamento com Arnaldo, parceiro dos Mutantes e, nascimento do Beto Lee, primeiro filho da artista com o musico carioca Roberto de Carvalho que conhecera em 1976, seguido do nascimento de João em 1979, e Antônio em 1981, proporcionando uma parceria musical e amorosa de sucesso, até a final existência neste plano! 

 

Durante um show em São Paulo, 1990 ... Minha irmã esteve com ela no Camarim, situação que se materializou registrada na foto e, segundo afirma Mary, ter dito a Rita que "muitas pessoas a achavam muito parecida com Rita Lee”, momento que, Rita em natural gargalhada espalhou-se pelo sofá do camarim proferindo a frase assertiva: "Impossível você ser parecida a mim ... Você é muito bonita!". Mary, mesmo constrangida pela espontaneidade também sorriu, ao que concordou seu namorado de então: "Verdade, também acho a Mary linda!". Na foto que se segue, resultou a prova dos sorrisos.  


Em dezembro de 1996, Rita realizou seu casamento civil com Roberto de Carvalho, passando a assinar Rita Lee Jones de Carvalho que a acompanhou até o final de sua vidaEm abril de 2013 concedeu uma rara e franca entrevista à revista Marie Claire, momento que disse que:


"o grande tabu da mulher atual é o envelhecimento""Para envelhecer com dignidade, a mulher tem de ter desapego. É muito complexo!"

Em março de 2014 decidiu deixar de pintar os icônicos cabelos vermelhos e assumir os fios grisalhos. "Quero ficar anônimadisse ela. Rita era vegana e defensora dos direitos dos animaisdeclarando ainda sofrer de transtorno bipolar


Uma artista a frente do seu tempo. Julgava inapropriado o título de "rainha do rock”, mas o apelido faz jus a sua trajetória, justificada e personalissimamente, bem lembrando a frase da sexóloga Marta Suplicy para a distância existencial promovida pelo seu passamento, em face de Roberto de Carvalho,, seu amor

"A distância pode separar dois olhares mas nunca dois corações!

Inteligente, bonita, engraçada e talentosa. Rita Lee Jones de Carvalho foi tudo isso. Envelheceu graciosamente, ganhando o carinhoso apelido de "Titia do Rock nacional", algo que corresponde à realidade, totalmente 



Roberto Costa Ferreira, 13  Maio  2023 

Professor -  Psicanalista Pesquisador 

UNIFESP-Universidade Federal S.Paulo 


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