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13
de outubro de 1968, Botafogo, Rio de Janeiro, faleceu Manuel Carneiro
de Sousa Bandeira Filho. Um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. |
“Aqueles que amamos nunca partem de
dentro de nós, mesmo que a morte os leve para longe”
Remonta considerar que quando alguém falece, é muito usual
utilizarmos a expressão “meus pêsames”. Tal expressão - Pêsames - é um
substantivo que expressa o sentimento de pesar, compaixão e dor em relação à
morte de alguém. A sua origem está associada a forma verbal “pesa”
associada ao pronome “me” (formando, então, pesa-me). Antigamente, a expressão
“pesa-me” era usada para definir situações que causavam dor e desgosto.
Por exemplo, na frase “pesa-me muito vê-lo sofrer”. De tanto usar “pesa-me”,
foi surgindo, aos poucos, a palavra pêsame. Hoje, é mais comum a usarmos no
plural, pêsames. Porém, a ideia permanece semelhante. Afinal, sentimos dor e
pesar quando alguém falece ...
É o que ocorreu, visto que,
em 13 de outubro de 1968, Botafogo, no Rio de Janeiro, faleceu
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho. Um poeta, crítico literário e de
arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. Considerado como parte da
geração de 1922 do modernismo no Brasil, seu poema "Os Sapos"
foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna.
Resumidamente, temos que, ao longo de sua carreira, Manuel Bandeira escreveu vários poemas que podem ser considerados “poéticas”, ou seja, eles tratam do “fazer poesia”, ora dizendo para que a poesia serve, ora dizendo como ela deve ser. Este trabalho em texto apresenta uma análise de um desses poemas – “Desencanto” – sob a perspectiva da semiótica francesa. E por fim um último - O Último Poema. No primeiro, especial atenção foi dada às condicionantes:
· organização do plano da expressão,
· à aspectualidade e à tensividade no poema.
Em 19 de abril de 2023 Manuel Bandeira faria 137 anos. Bandeira passou a vida
num adiamento da morte devido à tuberculose, mas só morre aos 82 anos.
na verdade, ele foi vítima da ironia. Quanto a este texto, aqui propus uma
intromissão, mas me mantendo atento ao poema; deixando-me por ele ser
atravessado a fim de que em meu corpo a palavra fizesse mais que cama ou
habitação (se possível for haver mais que isso). Ser cavalo não do poeta, mas
do poema; e assim deixar que as imagens me (nos) conduzisse(m) para algum tipo
de destino possível.
Pois bem, ele partiu ... Um último tempo para o que importa e principalmente
para as coisas sem importância. O ávido inútil, incompreensível estado de tudo
que se move. olhar para um poema e dizer: acabou. Encerrar as mãos como se
escrever fosse seu delírio mais duradouro. No extremo instante, encontrasse a
fenda de cujo corte extraviassem as contendas duma vida ordinária. Não há mais
verso, imagem, fôlego. o ritmo andante enuncia a paragem no tempo controverso
das sutilezas. Num recorte onde o definitivo poema não finda uma poética, e sim
a restabelece ao contexto das ficcionais despedidas, Manuel Bandeira encena
a melancolia no adiamento de sua ida … para a qual nunca foi, na verdade. Ei-lo
aqui, presente, sempre!
De tal sorte que, em breve Análise semiótica de "Desencanto",
produzido anteriormente - 1912 - apresento agora, de Manuel Bandeira
que, pertencente ao gênero lírico, pois apresenta um eu lírico expressando suas
emoções, ideias, há a subjetividade como mostram os verbos e pronomes em
primeira pessoa, depreendendo do livro de estreia de Manuel Bandeira – A
Cinza das Horas (1917) – que é repleto de poemas de um lirismo melancólico
e que remetem a temas como a espera da morte, a frustração, a resignação de
quem espera o fim, o sofrimento, a angústia, a tristeza, etc.
Assim, o poema que lembro neste momento foi publicado em tal
livro e não é diferente. “Desencanto” é um metapoema que descreve o ato
de fazer poesia como uma espécie de “válvula de escape”, como um
desabafo de um ser que sofre e espera a morte. Desse modo, ele pode ser
considerado uma primeira “poética” de Manuel Bandeira, que
descreve para que a poesia serve. Minha curta análise tem por objetivo
explicitar como esta relação da poesia com o sofrimento está constituída neste
texto e demonstrar os recursos utilizados na construção do sentido.
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia
ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e
quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.
(Teresópolis,
1912) - [A cinza das horas, 1917]
Nessas breves considerações que fiz de “Desencanto”
como uma poética, vai ao encontro do que diz o crítico Davi Arrigucci Jr.
(2003:132-133) quando afirma que a poesia de Bandeira é:
“uma experiência da ameaça de morte.
Esta que é uma condição geral de toda existência humana, se fez, no seu caso,
um risco próximo e permanente (...). O rapaz que só fazia versos por
divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do
sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade,
em resposta à circunstância terrível e inevitável (...). Nascendo junto com a
circunstância adversa, a poesia é então percebida como um desabafo momentâneo
(...)”.
Nessa sintonia, onde percebe-se o "desabafo",
temos então, publicado em Libertinagem (1930), “O último
poema” que carrega a potência do
sarcasmo, da sagacidade que compôs a poética bandeiriana, múltipla nos
modos de composição. Evidentemente, é um poema que em vez de encerrar uma
trajetória, continua abrindo caminhos, tal qual este aqui nascido numa
tentativa de incorporação poemática.
O último poema
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas
mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço
sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores
quase sem perfume
A pureza da chama em que se
consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se
matam sem explicação.
O drama de se pensar nos atos finais: aceno, beijo, poema, abraço, cena. A
hora mais que hora de algo que se chamaria representação. Mas a representação
não acontece no poema, uma vez que este se realiza como realidade fundada na
leitura do leitor, da leitora. O poema vigora como tempo das ocasiões tardias
ou prematuras, fugidias e ratificantes de seu intenso presente. Poema que é
agora ou nunca, último e primeiro. Quereria eu (ou não) que fosse este meu
decisivo escrito. Quereria apenas a vontade de ser naquilo que se tem aos
poucos, ou na torrencial referência dos sujeitos. Resistisse ainda a
melancólica travessia para o estado derradeiro do nada, quando possível.
Que fosse terno o poema, ainda que voraz na aversão por
hiatos. Presença nascida na despedida toante da última palavra dita, da última
boca no ventre mágico do verso. Quem me dera eu ser o terminal poeta cuja
desolação me levasse para a pasárgada. Lá fosse rei e amigo dos que nascem a
cada instante. Seria tão mais fácil construir um bom dia se o encontro não
fosse afoito, e caso perguntasse na exata medida da curiosidade: Do que são
feitas as coisas mais simples e menos intencionais?
Quando o choro fosse noite, amanhecesse encharcado pela
secura das lágrimas – ardentes no arranjo vazio dos soluços. O mar para
fora de sua salinidade contorna o relevo do peito no arfar do meu nome ao ser
içado no mais forte fôlego: Bandeira. Poema, que último fosse o gesto de
sua taquicardia inesperada e alcançasse o extremo calor na ardência tardia de
sua proclamação. Das almas fossem feitas brisas ante a tempestade que se
anunciava, até tomarem gosto pela tragédia e levarem consigo os crentes do
paraíso.
Poema, decisivo em seu fim, arrumaria com cuidado sobre o
peito as flores gastas de tanto delas se retirar o olfato; belas, dada a
dinâmica oracular de suas cores. Reclamaria o cheiro por um triz distanciado da
estrutura com a qual se arrumam a ilusão dos destinos. Passarei a crer que
nesse findo encalço se manterão as glórias enviadas ao despautério de nossa despedida
e, assim, despertar o que atende pela ausência da própria escansão.
Tivesse ainda a pureza da chama para desfazer a alotropia
do carbono e reinventar a estrutura mais límpida dos diamantes. Fizesse a
lua descer da noite sem tocar em estrela alguma, a fim de trazer para perto a
luta com seu dragão tatuado. Queimaria com fogo forte a letra impressa e disso
faria um manifesto em que sapos se refeririam ao adereço primal da semana na
qual foram tomadas as escadarias da vanguarda. Ao mesmo tempo, ficaria ciente
de que ali se faria novamente um mundo. Embora não fosse meu corpo presente, a
presença do poema ora último talvez primeiro responde pela matéria de realidade
incitada enquanto ainda houver quem me leia silente ou ferozmente.
Desfrutasse finalmente, poema, dos que morrem por si próprios
apaixonadamente. Sem explicação é a beleza suicida dos versos, nascidos com
a partida duma voz futuro-pretérita: assim eu quereria meu último poema. Que
tivesse em cada verso o lampejo da frase interrompida. O anonimato dos nomes
cerrado em lábios calados desde o estalo da irrevogável imagem proferida. Quereria
assim meu poema, último na descendência pela cesura confortável. A pausa
libertina na respiração das palavras, sua passagem, o intervalo findo como a
estrela da manhã.
Manuel Bandeira encena a melancolia no adiamento de sua ida… Para a qual nunca foi, na verdade!
Roberto Costa Ferreira, 13 de Outubro
2023.
HILASA – Instituto de História,
Letras e Artes
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