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domingo, 21 de março de 2021

Crítica Social - A PRAGA do BACHARELISMO!

 

Do texto de Antonio Abrantes, recentemente publicado no Grupo Público História do Brasil em 19 de Março de 2021, em razão da matéria veiculada pela Revista Kosmos de 1906 e seu relato Irônico, como segue abaixo e adiante de minhas considerações, resultou minha presente crítica literária igualmente publicada em página do Facebook de 20 de Março de 2021.


A criação dos cursos jurídicos brasileiros se dá em 1827, com o objetivo explícito de formar quadros de recursos humanos para a administração pública e para a atividade política no período imperial, ou seja:

  • tinha o condão de formação de “uma elite intelectual”, cultural e burocrática capaz de exercer atividades inerentes a essa formação.

Formavam-se então bacharéis aptos a serem Deputados e Senadores, além de essa formação atender a ocupação de lugares diplomáticos e demais empregos do Estado. Essa tradição de formação de uma elite cultural e burocrática é advinda da antiga metrópole de então, e que proliferam até então, pois que os cursos jurídicos tinham o objetivo de uma formação baseada em conhecimentos universais, humanísticos e filosóficos. O ensino do Direito nesse sentido, pode-se dizer, cumpriu sua função histórico-educacional em pleno século XIX, qual seja:

  • o de formador de recursos humanos para as funções jurídicas e fomentador da elite política, administrativa e intelectual do Império.

Segundo Botelho (1999), ao se tomar por análise alguns textos fundamentais do período, é possível perceber que esses intelectuais tomariam genericamente por premissa a ideia de que os sistemas educacionais moldariam as sociedades, não percebendo, portanto, o contrário, isto é, que:

  • são as sociedades, nas suas relações, grupos sociais e conflitos constitutivos, que definem seus valores.

A função seria então, a de proporcionar ao indivíduo e aos diferentes grupos o tipo de formação socialmente requerido pelas transformações econômicas, políticas e culturais da sociedade brasileira, tais como elas se reproduziam nas próprias situações quotidianas da época. A fase de apogeu do bacharel, no Brasil vai do Segundo Império à República Velha, e esse fenômeno arraigou uma crença de que o “operador do direito” fosse uma espécie de ser capaz de exercer quaisquer atividades para as quais fosse designado e os estudos sociais se mostrassem úteis. Criou-se então “um mito de que ninguém melhor do que ele se achava preparado para dirigir a política e exercer os cargos públicos” de maior importância.

O termo “bacharelismo” é usado como contraposição ao “juridicismo”, que seria, no caso, uma espécie do gênero, de características diversas do bacharelismo clássico, porque enquanto este primeiro, o bacharelismo, tende a fazer da lei um instrumento da atuação política, de forma a moldar os fatos às normas, aquele segundo, o juridicismo, teria uma visão inovadora do ordenamento jurídico, voltando-se para o direito como meio para forjar transformações sociais. Nesse sentido, o “bacharel” seria propriamente:

  • um homem mais da lei que do direito, revelando um perfil conservador,

enquanto que o “jurista” - especialista em direito jurídico - atuando no meio político ou na doutrina:

  • revelaria maior capacidade de criação e inovação na vida social, mas não necessariamente no sentido de um progressismo.

Nesse caso, pode-se antever que o termo revela uma crítica à “má formação que oferecem algumas escolas de estudos superiores no país” (principalmente as de ensino jurídico, pois que estas são tomadas como referência), dentre elas destacando-se em boa parte as não-públicas; alguns devem se lembrar daquele evento caricatural do que se tornou algumas nossas universidades, quando foi amplamente divulgado na mídia televisiva a aprovação de um analfabeto em vestibular de uma universidade particular do estado de São Paulo. Por isso se nota a disseminação de bacharéis na literatura e nesse sentido, importa considerar, além dos fatores já referidos, que a aproximação entre esta e a retórica mencionada como elemento significativo da cultura bacharelesca, é uma relação que, se poderia dizer, se estabelece do todo para com a parte.

Em síntese a cultura bacharelesca não é somente retórica, mas também literária, retórica enquanto privilegia a eloquência, não raro em prejuízo do conteúdo, literário enquanto talvez uma cultura livresca, ingênua, ampla mas indiferente à realidade concreta. Assim, a leitura desses dois clássicos, sob a ótica do “poder do bacharel” em uma sociedade segregada, emergindo do rural para o urbano, permitiu entender o bacharelismo nos estudos organizacionais no Brasil como poder condicionado. Nesse sentido, seus detentores possuem um capital social que legitima o exercício da autoridade e do poder perante aqueles desprovidos de distinções nobiliárquicas e/ou acadêmicas. Essa supervalorização de atributos foi herdada de nossos colonizadores portugueses que legitimavam o poder através dos títulos nobiliárquicos de barão, visconde, conde, marquês e duque e, na falta destes, dos acadêmicos de bacharel e de até “doutor”. Ainda hoje, para este último, não precisando mais que “um cursinho e ‘sonhada’ aprovação” no “inovador exame de Ordem”!

Para Sérgio Buarque de Holanda, o povo brasileiro é um povo “desterrado”, pois tanto a cultura como diversas práticas específicas da Europa foram trazidas para o Novo Mundo e implementadas no Brasil sem que se levassem em conta as diferenças geográficas e sociais dos dois continentes. Interessante notar que Buarque de Holanda (1995, p.156) comenta que nenhum outro país no mundo mergulhou tão intensamente na “praga do bacharelismo” como os EUA. Ao analisar as características do trabalho em Raízes do Brasil seu autor diferencia o “trabalhador” do “aventureiro”. O primeiro, o “trabalhador”:

  • é caracterizado como um indivíduo que tem responsabilidade e apreço pelo trabalho,

enquanto o segundo, o “aventureiro”, é definido como:

  • um indivíduo audacioso, instável e irresponsável, que age de acordo com o que lhe convém,
  • buscando, sempre sem custos, a prosperidade, títulos, posições e riquezas fáceis.

Algumas dessas características podem ser associadas ao bacharel do Brasil dos séculos XVIII e XIX e creio, ainda hoje, predominante, “principalmente afetando até à magistratura” onde temos mesmo ministros que, sequer, advogaram numa única oportunidade, sabendo ao menos o significado de “peticionar” e localizar “competências”, mas que, mesmo nem sabendo escrever, são “nomeados politicamente em razão de militância política que exerceram” destinados a ocupar “cargos e funções magistrais”, bem à altura do nosso merecimento, como se vê, notoriamente, aqueles que se ramificam, divaricando e partindo “das portas de cadeias até aos tribunais superiores”. Lamentável!

Roberto Costa Ferreira, 20/03/2021.






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