Nos anos 1930, há pouco mais de 90 anos, milhares de flagelados da seca foram confinados e explorados em instalações do governo. Mais de oito décadas depois, as únicas ruínas remanescentes são tombadas! A solenidade de tombamento do sítio arquitetônico do "Campo de Concentração" do Patu, num sábado (20/07), localizado em Senador Pompeu, a 270 quilômetros de Fortaleza, representou o reconhecimento de um capítulo trágico da história do Ceará e do Brasil.
Nesse campo, milhares de pessoas
sofreram e morreram, no início da década de 1930, de doenças, de maus-tratos e
de inanição. A construção tinha como objetivo evitar que retirantes
chegassem às cidades, principalmente à capital do Ceará - Fortaleza. Além
de isolados e confinados, os retirantes eram explorados como mão de obra
escrava em obras públicas.
Além do Patu, outros seis
campos foram instalados no Ceará durante a grande estiagem de 1932. Dois
ficavam em Fortaleza. Esses sete campos, no entanto, também não foram
pioneiros. Seu surgimento remonta aos “abarracamentos” (acampamentos
improvisados) instalados pelo Estado para abrigar os retirantes nas secas
de 1877 a 1880, quando Fortaleza foi ocupada por cerca de 100 mil
flagelados, mais do triplo de sua população na época.
Após novas estiagens, a ideia de
"concentrar" os retirantes foi se consolidando, como também o projeto
de modernização e embelezamento das cidades, como Fortaleza e tantas outras do
Norte e Nordeste do Brasil, acompanhado ainda da popularização da ideia do
darwinismo social, que à época ajudava a justificar ideologicamente o domínio
de uma "raça" sobre outra.
No Ceará, isso fez com que os
flagelados que procuravam abrigo na capital do Estado passassem a ser
aglomerados no "Campo de Concentração" do Alagadiço, em 1915.
Assim, era mais fácil escondê-los da população urbana! A designação "campo
de concentração" acabou oficialmente por substituir os antigos
“abarracamentos” na mesma época, sendo usada tanto pela imprensa da época
quanto pelo próprio governo, até fortemente local.
Na década de 1930, seria a vez de
o governo local criar sete novos campos desse tipo, entre eles o do Patu. Dessa
forma, o governo local trilhava um caminho já percorrido por outros países. Décadas
antes, na América do Norte, os EUA criaram campos desse tipo para internar indígenas
Cherokee. Também, considerando que cidade americana de Miami e a capital
cubana - Havana - ficam a cerca de 150 km de distância, o antigo governo
colonial de Cuba chegou a decretar que moradores que não quisessem ser tratados
como rebeldes fossem internados em "campos de reconcentración"
durante as guerras de independência da ilha (1868-1898).
Ressalte-se que o mesmo
ocorreu na África do Sul e nas Filipinas no final do século 19. Mas, apesar
desses usos locais, incluindo no Ceará, o termo "campo de
concentração" ganhou notoriedade com a chegada dos nazistas ao poder na
Alemanha, em 1933. Observemos ainda que entre os “campos cearenses” e
os “Konzentrationlager” nazistas há algumas semelhanças, mas também
diferenças fundamentais, como apontam ativistas, historiadores e membros do
Ministério Público envolvidos no processo de tombamento do Patu, à época.
É certo que o Estado brasileiro
não teve interesse em preservar a memória do campo que está localizado
dentro de uma área de uma autarquia federal chamada Departamento Nacional de
Obras contra as Secas (Dnocs) na oportunidade. Então, o MP estadual
partiu para uma proteção local, “um tombamento", no 'Campo de
Concentração' do Patu, tendo lá uma população de aproximadamente 20 mil
pessoas. Afinal, o que são 20 mil pessoas em 1932? É algo gigantesco,
parece-me! E desses 20 mil, embora não haja registros oficiais, pois não se
lavravam certidões de óbitos, a estimativa é que entre 8 mil e 12 mil pessoas
morreram e foram enterradas em valas coletivas. Uma monstruosidade!
Na época da construção do Patu, a
população de Fortaleza tinha cerca de 120 mil habitantes. Além de Senador
Pompeu e da capital, em 1932, outros "campos de concentração"
foram instalados nos municípios de Ipu, Quixeramobim, Crato e Cariús, é
o que se sabe, não precisamente. No entanto, pelo que me consta, a maioria
desses campos não resistiu à ação do tempo. O Patu, único "campo de
concentração" que restou dos dez instalados no Ceará entre 1915 e 1932
englobam 12 construções de estilo neocolonial, a chamada Vila dos Ingleses.
"Essas
instalações são anteriores aos campos de concentração nazistas e não tinham
obviamente a mesma finalidade dos campos da Segunda Guerra, mas tinham também
algumas semelhanças sórdidas",
salvo as “inspirações”, explicitou
determinado promotor público, num de seus vários relatos:
"A estrutura dos prédios; a
população distribuída em barracões; grande parte dessa população sendo atraída
ao local com falsas promessas de que teria acesso a trabalho, à comida, a
medicamentos e atendimento médico, o que não era realidade",
apontou Laprovitera, então
promotor, ainda mais considerando, possivelmente “salário e renda”,
usualmente hoje servido, recentemente, em “prato quente”:
"Mas,
enquanto nos campos de concentração nazistas a mortandade se deu por uma ação
estatal, nos 'campos de concentração' cearenses a mortandade se deu por causa
de uma omissão. Não havia comida, não havia água e as condições de higiene eram
muito precárias."
Frederico de Castro Neves,
determinado professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta
as diferenças entre os campos cearenses e os nazistas:
"Senador
Pompeu não é igual a Auschwitz. Aqui, a pessoa recebia uma
assistência, que era precária, discutível, mas era uma assistência médica. As
pessoas não eram carregadas para o campo, debaixo de violência, embora houvesse
uma tentativa de manter aquelas pessoas ali no isolamento".
Como se observa o darwinismo
social, a ideia da superioridade de uma raça sobre a outra, também
marcou o Brasil no início do século 20. Na Constituição de 1937, há um
artigo - Art. 138 - que diz que o Estado teria que 'estimular a educação
eugênica'."
"Então
tem esse aspecto do darwinismo social que justifica moralmente a implantação
dos campos. Há também a mão de obra, que foi usada como escrava, porque os
grandes açudes e as estradas foram feitas por eles, tudo em troca de
comida"!
Do campo cercado por arame farpado, os flagelados só podiam
sair para trabalhar. E o que se tem em parcos registros é que a segurança era
feita por guardas cujo pagamento era realizado em espécie, não havendo
documentos comprobatórios. Ainda mais a se considerar que:
"Todos os
'campos de concentração' e os ‘abarracamentos’, quando terminavam, eles tocavam
fogo em tudo. Para não deixar pista, não havia atestado de óbitos, não tinha
nada."
A historiadora Kênia Sousa
Rios, da UFC, relata em determinado momento, que somente no campo de Ipu, a
oeste do Estado, houve registros de mais de mil mortos entre 1932 e 1933. De
acordo com informações da época, o campo chegou a abrigar 6.507 flagelados.
Estima que o número total de flagelados nos campos tenha sido muito maior.
"No
período mais agudo da estiagem, em Dezembro do ano findo -1932 - elevou-se a
260 mil o número de operários diretamente empregados nas obras contra as secas,
sendo 236 mil, na Inspetoria, e 24 mil, na Rede de Viação Cearense [...]”.
Organizaram-se, dizendo mais que:
“Além disso, neste Estado, 'campos de concentração', por onde transitou mais de
um milhão de pessoas, atendidas com serviços de higiene e assistência”. Endossando
o dito anterior, e segundo o historiador Frederico Castro Neves:
“Foi o
horror provocado pelos campos de concentração alemães, construídos a partir de
1933 e cuja existência foi divulgada após o fim da guerra, que desencorajou
a construção de novas instalações desse tipo no Ceará após a Segunda Guerra
mundial”.
Afortunadamente, graças a Deus!
Pois que, quando teremos outros tantos "reconhecimento devidos" de
capítulos trágicos da nossa história, vividos no Brasil?
Roberto
Costa Ferreira, 26/03/2021.
Conforme postado em Facebook, de 27/03/2021, adiante:
Roberto
Costa Ferreira
está com Isabel Conceição Costa Ferreira
em Santo Amaro, Sao Paulo, Brazil
27 de março às 01:20
Ceará e “campos de concentração” no Brasil!
Nos anos 1930, há pouco mais de 90 anos, milhares de flagelados
da seca foram confinados e explorados em instalações do governo. Mais de oito
décadas depois, as únicas ruínas remanescentes são tombadas!
A solenidade de tombamento do sítio arquitetônico do "Campo
de Concentração" do Patu, num sábado (20/07), localizado em Senador
Pompeu, a 270 quilômetros de Fortaleza, representou o reconhecimento de um
capítulo trágico da história do Ceará e do Brasil.
Nesse campo, milhares de pessoas sofreram e morreram, no início
da década de 1930, de doenças, de maus-tratos e de inanição. A construção tinha
como objetivo evitar que retirantes chegassem às cidades, principalmente à
capital do Ceará - Fortaleza. Além de isolados e confinados, os retirantes eram
explorados como mão de obra escrava em obras públicas.
Além do Patu, outros seis campos foram instalados no Ceará
durante a grande estiagem de 1932. Dois ficavam em Fortaleza. Esses sete campos,
no entanto, também não foram pioneiros. Seu surgimento remonta aos
“abarracamentos” (acampamentos improvisados) instalados pelo Estado para
abrigar os retirantes nas secas de 1877 a 1880, quando Fortaleza foi ocupada
por cerca de 100 mil flagelados, mais do triplo de sua população na época.
Após novas estiagens, a ideia de "concentrar" os
retirantes foi se consolidando, como também o projeto de modernização e
embelezamento das cidades, como Fortaleza e tantas outras do Norte e Nordeste
do Brasil, acompanhado ainda da popularização da ideia do darwinismo social,
que à época ajudava a justificar ideologicamente o domínio de uma
"raça" sobre outra.
No Ceará, isso fez com que os flagelados que procuravam abrigo
na capital do Estado passassem a ser aglomerados no "Campo de
Concentração" do Alagadiço, em 1915. Assim, era mais fácil escondê-los da
população urbana!
A designação "campo de concentração" acabou
oficialmente por substituir os antigos “abarracamentos” na mesma época, sendo
usada tanto pela imprensa da época quanto pelo próprio governo, até fortemente
local.
Na década de 1930, seria a vez de o governo local criar sete
novos campos desse tipo, entre eles o do Patu. Dessa forma, o governo local
trilhava um caminho já percorrido por outros países. Décadas antes, na América
do Norte, os EUA criaram campos desse tipo para internar indígenas Cherokee.
Também, considerando que cidade americana de Miami e a capital cubana - Havana
- ficam a cerca de 150 km de distância, o antigo governo colonial de Cuba chegou
a decretar que moradores que não quisessem ser tratados como rebeldes fossem
internados em "campos de reconcentración" durante as guerras de
independência da ilha (1868-1898).
Ressalte-se que o mesmo ocorreu na África do Sul e nas Filipinas
no final do século 19. Mas, apesar desses usos locais, incluindo no Ceará, o
termo "campo de concentração" ganhou notoriedade com a chegada dos
nazistas ao poder na Alemanha, em 1933. Observemos ainda que entre os “campos
cearenses” e os “Konzentrationlager” nazistas há algumas semelhanças, mas
também diferenças fundamentais, como apontam ativistas, historiadores e membros
do Ministério Público envolvidos no processo de tombamento do Patu, à época.
É certo que o Estado brasileiro não teve interesse em preservar
a memória do campo que está localizado dentro de uma área de uma autarquia
federal chamada Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) na
oportunidade. Então, o MP estadual partiu para uma proteção local, “um
tombamento", no 'Campo de Concentração' do Patu, tendo lá uma população de
aproximadamente 20 mil pessoas.
Afinal, o que são 20 mil pessoas em 1932? É algo gigantesco,
parece-me! E desses 20 mil, embora não haja registros oficiais, pois não se
lavravam certidões de óbitos, a estimativa é que entre 8 mil e 12 mil pessoas
morreram e foram enterradas em valas coletivas. Uma monstruosidade!
Na época da construção do Patu, a população de Fortaleza tinha
cerca de 120 mil habitantes. Além de Senador Pompeu e da capital, em 1932,
outros "campos de concentração" foram instalados nos municípios de
Ipu, Quixeramobim, Crato e Cariús, é o que se sabe, não precisamente. No
entanto, pelo que me consta, a maioria desses campos não resistiu à ação do
tempo.
O Patu, único "campo de concentração" que restou dos
dez instalados no Ceará entre 1915 e 1932 englobam 12 construções de estilo
neocolonial, a chamada Vila dos Ingleses.
"Essas instalações são anteriores aos campos de
concentração nazistas e não tinham obviamente a mesma finalidade dos campos da
Segunda Guerra, mas tinham também algumas semelhanças sórdidas", salvo as
“inspirações”, explicitou determinado promotor público, num de seus relatos:
"A estrutura dos prédios; a população distribuída em
barracões; grande parte dessa população sendo atraída ao local com falsas
promessas de que teria acesso a trabalho, à comida, a medicamentos e
atendimento médico, o que não era realidade", apontou Laprovitera, então
promotor, ainda mais considerando, possivelmente “salário e renda”, usualmente
hoje servido, recentemente, em “prato quente”:
"Mas, enquanto nos campos de concentração nazistas a
mortandade se deu por uma ação estatal, nos 'campos de concentração' cearenses
a mortandade se deu por causa de uma omissão. Não havia comida, não havia água
e as condições de higiene eram muito precárias."
Frederico de Castro Neves, determinado professor da Universidade
Federal do Ceará (UFC), ressalta as diferenças entre os campos cearenses e os
nazistas:
"Senador Pompeu não é igual a Auschwitz. Aqui, a pessoa
recebia uma assistência, que era precária, discutível, mas era uma assistência
médica. As pessoas não eram carregadas para o campo, debaixo de violência,
embora houvesse uma tentativa de manter aquelas pessoas ali no
isolamento".
Como se observa o darwinismo social, a ideia da superioridade de
uma raça sobre a outra, também marcou o Brasil no início do século 20. Na
Constituição de 1937, há um artigo - Art. 138 - que diz que o Estado teria que 'estimular a
educação eugênica'."
"Então tem esse aspecto do darwinismo social que justifica
moralmente a implantação dos campos. Há também a mão de obra, que foi usada
como escrava, porque os grandes açudes e as estradas foram feitas por eles,
tudo em troca de comida"!
Do campo cercado por arame farpado, os flagelados só podiam sair
para trabalhar. E o que se tem em parcos registros é que a segurança era feita
por guardas cujo pagamento era realizado em espécie, não havendo documentos
comprobatórios. Ainda mais que:
"Todos os 'campos de concentração' e os ‘abarracamentos’,
quando terminavam, eles tocavam fogo em tudo. Para não deixar pista, não havia
atestado de óbitos, não tinha nada."
A historiadora Kênia Sousa Rios, da UFC, relata em determinado
momento, que somente no campo de Ipu, a oeste do Estado, houve registros de
mais de mil mortos entre 1932 e 1933. De acordo com informações da época, o
campo chegou a abrigar 6.507 flagelados. Estima que o número total de
flagelados nos campos tenha sido muito maior.
"No período mais agudo da estiagem, em Dezembro do ano
findo -1932 - elevou-se a 260 mil o número de operários diretamente empregados
nas obras contra as secas, sendo 236 mil, na Inspetoria, e 24 mil, na Rede de
Viação Cearense [...]”.
Organizaram-se, dizendo mais que: “Além disso, neste Estado,
'campos de concentração', por onde transitou mais de um milhão de pessoas,
atendidas com serviços de higiene e assistência”. Endossando o dito anterior, e
segundo o historiador Frederico Castro Neves:
“Foi o horror provocado pelos campos de concentração alemães,
construídos a partir de 1933 e cuja existência foi divulgada após o fim da
guerra, que desencorajou a construção de novas instalações desse tipo no Ceará
após a Segunda Guerra mundial”.
Afortunadamente, graças a Deus! Pois que, quando teremos outros
tantos "reconhecimento devidos" de capítulos trágicos da nossa
história, vividos no Brasil?
Roberto Costa Ferreira, 26/03/2021.
![]() |
Foto de Nelson Vilela de 06 de Dezembro de 2020, retratando um momento de homenagem. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A desinformação é o ato de silenciar ou manipular a verdade, habitualmente nos meios de comunicação de massa. O meu dever de publicar o que penso e escrevo e incontornável, absolutamente imprescindível!
Então, você pode, durante tomar um café, aprofundar-se numa agradável e suficiente leitura e até, ao mesmo tempo, ouvir uma boa música. Encontrar tudo isso através deste meu blog - #GRAUᴼ - é algo muito suficiente... E necessário!
As relações entre Educação, cultura e conhecimento são sempre polissêmicas e provocativas. Neste acesso, trago para sua leitura diversas experiências, perspectivas, reflexões... Encontros que se fazem em diferentes ãmbitos: literatura, música, dança, teatro, artes visuais, educação física, mídia, etc.
E considere: é entre a manifestação da literatura, as artes visuais, a música, a dança e o teatro que a educação e o conhecimento acontecem fora do curricular, do convencional!